Decidi escrever esse post com propósito informativo. Visto que é um assunto muito polêmico, achei propício não dar a minha opinião pessoal. O texto conta os fatos e as consequências do resultado do referendo “anti-burca” votado pelos suíços italianos. Mesmo se o governo não apoia a decisão, esse é um ótimo exemplo da ampla possibilidade de ação da democracia na Suíça.
A chamada “Legge anti-burqa”, apesar de nem na Constituição e nem na lei vir mencionado o termo “burqa” , está dando o que falar desde setembro de 2013, quando 65% dos tessineses aprovaram em um referendo a proibição do uso da burca e nicabe no cantão tessinês. Até então era só um referendo popular que precisava ainda da aprovação do Parlamento Federal e isso poderia levar pelo menos dois anos, por se tratar de uma emenda constitucional cantonal, e por esse motivo muita gente acreditava que seria muito difícil que a emenda fosse aprovada. Muitos especialistas no assunto diziam que ela violaria a liberdade de religião e não era baseada no interesse público.
Mas, voltando no tempo… 29 novembro de 2009, outra decisão polêmica afetou o mundo islâmico: contra todas as expectativas e contra a opinião dos principais partidos políticos, de responsáveis religiosos e dos meios económicos, 57% dos suíços votaram pela proibição da construção de novos minaretes.
O governo suíço também se declarou contra: “Tal interdição vai claramente contra os valores essenciais do Estado suíço” declarou a então Ministra da Justiça suíça, Eveline Widmer-Schlumpf.
Os bispos católicos pediram aos fieis que votassem a favor dos minaretes, temendo que seus poucos locais de culto ainda autorizados no Oriente Médio fossem alvo de retaliações. A ONU para Direitos Humanos declarou preocupada em relação à decisão, alertando que ela viola os princípios básicos. Entretanto, tudo isso não bastou e o referendo foi aprovado em 29 de setembro de 2009.
Retornando a 2015
Dois anos se passaram desde o “sim” no referendo “anti-burca” de setembro de 2013 e outra vez o temor da Anistia Internacional tornou-se realidade; no dia 23 de novembro de 2015 o Parlamento do cantão de Tessino aprovou a lei que proíbe a qualquer pessoa de cobrir ou esconder o rosto em espaços públicos, com exceção a locais de culto.
Giorgio Ghiringhelli é um ativista político independente e principal defensor da iniciativa anti-burca na Suíça italiana. Fundador do movimento político chamado “Guastafeste” – explicando em poucas palavras, “guastafeste” são aquelas pessoas que estragam a festa dos outros, muito sugestivo -, Ghiringhelli conseguiu convencer a maioria dos tessineses com mensagens como essa: “Talvez, com os acontecimentos recentes do ISIS, sempre mais pessoas estão abrindo os olhos e finalmente ficou claro que em nome da tolerância não se pode aceitar o intolerável e que se deve freiar, não só com palavras mas também com ações, a radicalização islâmica na Europa.”
A Human Rights Watch deixou a seguinte declaração sobre a aprovação da lei: “Viola os direitos das pessoas que escolheram usar o véu e não ajuda àquelas que são obrigadas a usá-lo.”
Sarah Rusconi, porta-voz da Anistia Internacional suíça declarou: “Acreditar que todas as mulheres que usam a burca são oprimidas é um erro. Como é também um erro afirmar que a burca contribui à liberdade. Os mecanismos de discriminação e de opressão das mulheres na religião muçulmana, como em outras religiões, são muito mais complexos.”
Contudo, isso é só a ponta do iceberg; mesmo com a lei aprovada existem muitas perguntas ainda sem respostas: qual deve ser a atitude de um policial quando encontra uma mulher com o rosto coberto? Qual será o parâmetro usado para definir o valor da multa que varia de 100 a 10 mil francos suíços? A lei afetará o turismo na Suíça italiana?
O diretor do Ticino Turismo, Elia Frapolli, não tem uma visão concreta do que poderá acontecer no futuro: “De um lado é muito claro que aquela pequena parte de turistas que cobrem o rosto não passará férias em Tessino. A questão é saber se teremos problemas com a nossa imagem, ou seja, será que os turistas dos países árabes que não cobrem o rosto continuarão a visitar o nosso cantão? Queremos passar uma mensagem positiva, não é um ‘não sejam bem-vindos’, mas apenas uma decisão interna.”
O tema da dissimulação do rosto nos espaços públicos está causando muitas discussões a nível nacional, tanto que em 29 de setembro desse ano o “Comitato di Egerkingen” (Comitê de Egerkingen é formado por membros de dois partidos políticos, “Unione Democratica di Centro” e “Unione Democratica Federale”) apresentou uma proposta parecida aquela tessinesa, agora em nível nacional.
O governo suíço sempre se declarou contrário ao referendo, ressaltando que, ao contrário da França (que aprovou a lei “anti burca” em 2010), na Suíça raramente se veem mulheres com a burca ou nicabe nos espaços públicos.
A reação do milionário e empresário franco-argelino Rachid Nekkaz foi anunciar que pagará todas as multas que serão aplicadas em Tessino a mulheres com rosto coberto; o mesmo aconteceu em 2010 na França, quando foi proibido cobrir o rosto em locais públicos em todo território francês. Rachid se diz um ativista dos direitos humanos e um adversário da proibição do uso da burca. Informou que até o mês de outubro desse ano pagou 973 multas. Com isso, quer ridicularizar governos e parlamentares que não respeitam as liberdades fundamentais; não é por acaso que é conhecido como “Zorro” na comunidade islâmica.
Enfim, muita coisa poderá acontecer até o início da aplicação da lei; a única coisa que posso dizer com certeza é que na Suíça, diferente de muitos países, as leis são respeitadas e a vontade da população é de importância fundamental na democracia helvética.
Leia quem são os ticinesi, da Suíça italiana!
13 Comments
Realmente, um assunto muito polêmico. É complicado desrespeitar crenças de outras pessoas, mas por outro lado, eu consigo entender o porquê das pessoas serem à favor da não-utilização da burqa. Eu também tenho minhas ressalvas (e sei que muitas mulheres cobrem o rosto por opção, não obrigação, como nós ocidentais imaginamos), mas acho que diante de uma votação dessa, acabaria sendo à favor. 🙁
Oi Bárbara, obrigada por comentar o post. Concordo com você, é fácil ter uma opinião, mas é difícil saber se a nossa opinião é justa, principalmente quando é sobre uma realidade distante da nossa. Sou a favor da liberdade religiosa, mas também concordo que deve ser complicado para as autoridades de segurança identificar uma suspeito que cobre o rosto. Enfim, é o desafio de conviver com as diferenças. Um abraço.
Pois eu sou 100% a favor. Tendo morado um tempo na Europa, eu vi pessoalmente a islamização da mesma acelerada na última marcha e a toda potência. Os muçulmanos que para lá imigraram não respeitam a cultura local, não obedecem às leis locais porque “elas não são leis muçulmanas” e não fazem o reles esforço de aprender a língua local – eu conheci um muçulmano na Bélgica que me disse que a única língua em que Deus (A’llah) ouvia as orações era a língua árabe; eu respondi que o deus dele era muito limitado, já que um ser humano é capaz de aprender um sem-número de idiomas, enquanto que A’llah só aprendeu árabe; ele disse que eu ia queimar no inferno por blasfêmia; eu disse que estaria lá para recebê-lo ou que ele me recebesse lá, caso fosse antes de mim.
Os muçulmanos, salvo as devidas exceções, não se importam com a cultura do outro, com a tradição do outro, com a fé do outro (ou a falta dela), com a língua do outro, com os costumes do outro. Se não for muçulmana, a pessoa já está errada; ou converte-se ou morre, é assim que eles pensam (a maioria pensa na morte do “infiel” no sentido de que A’llah vai matar o dito cujo, enquanto alguns poucos tomam para si esta tarefa; mas é por isso que eles não ligam para as pessoas não-muçulmanas que morrem vítimas do terrorismo). Sim, sou 100% a favor e que venham mais e mais leis para restringir o avanço deste povo fiel a uma religião sanguinária de conquista e subjugação!
Podem me julgar, com as pedras que me atirarem, construirei a minha muralha!
Oi Robert, obrigada pelo seu comentário, muito interessante a tua experiência com o mundo islâmico. Mesmo morando na Europa, eu só me aproximei do estilo de vida deles em uma viagem que fiz à Marrocos, mas por ser turista me comportei segundo as regras do país. Obrigada por seguir o blog. Um abraço.
Oi Selma,
Vivendo na Suíça tenho aprendido diariamente o poder da democracia verdadeira.
Os Suíços, como você mencionou, sabem disso como poucos!
Este assunto vai sim dar o que falar e com certeza discussões inflamadas, as vezes até superficiais, vão surgir… o mesmo aconteceu com a questão das minaretes, como vc bem colocou, ou com a imigração em massa.
Independente das escolhas, bravo ao povo suíço que sabe votar e aguentar as consequencias de suas escolhas!
Abraço para você e obrigada pelo seu texto super interessante!
Oi Teca, obrigada pelo seu comentário. Realmente a Suíça é um exemplo de poder democrático inteligente para o resto do mundo. Usam a gentileza até nos assuntos polêmicos, sem se deixar influenciar pelas críticas. Um abraço.
Olá Selma! O comentário do Robert, acima, tem uma relação sobre uma pergunta que eu fiz para outra colaboradora do BPM (por eu não ter feito uma pergunta bem elaborada, acabei sendo mal interpretado). Se há muitos pré-requisitos para um estrangeiro requerer um visto de trabalho ou residência em um país europeu (como falar inglês fluente, ter uma capacitação ou habilidade especial para preencher as vagas de emprego, etc), porque pessoas com dificuldade de se integrar a cultura local (como os árabes) e que, muitas vezes, não tem condições de preencher esses pré-requisitos, conseguem entrar e viver no país? Na minha opinião, não dá pra sobreviver no novo país se não falar a língua local (ou inglês, pelo menos) e for intolerante com os locais. Se eles não gostam da cultura e do estilo de vida europeu, e fazem questão de NÃO se adaptarem ao novo país, porque vão viver lá? Depois reclamam que sofrem muito preconceito. Eu até acho que pessoas como eles tiram a oportunidade de estrangeiros de outras nacionalidades, que realmente merecem uma oportunidade de morar no exterior (e fizeram muitos sacrifícios para tal) e estudam e se esforçam bastante para se adaptar a cultura local. Eu fico desestimulado de morar no exterior por não estar totalmente preparado, e ver outras pessoas mais despreparadas do que eu, entrarem na Europa normalmente. Por isso que falei no outro comentário que tinha a impressão que, para pessoas de certas nacionalidades, era “mais fácil” entrar na Europa e para os demais era mais burocrático, por causa dos requisitos para morar legalmente (e acabei sendo mal compreendido por isso). O que você acha disso? Há realmente esse desequilíbrio? Desde já, agradeço pelo seu excelente texto! 🙂
Oi Elias, sobre esse assunto eu posso te dizer o que acontece na Suíça. Não sei se você já ouviu falar no acordo de Schengen;é uma convenção entre países europeus sobre uma política de abertura das fronteiras e livre circulação. Não tenho certeza mas parece que 30 países europeus assinaram o acordo; e a Suíça, mesmo não fazendo parte da UE, assinou também. Isso significa que países da UE aproveitam do privilégio de poder circular livremente e consequentemente conseguir com mais facilidade a permissão para trabalhar e morar na Suíça. Claro que estou simplificando, os mecanismos de livre acesso não são tão simples por aqui. Tanto que em 2014 a iniciativa contra a imigração de massa na Suíça foi aprovado e isso abalou as relações com a União Européia, mas esse é um argumento muito complexo; enfim, respondendo a tua pergunta, pessoas que possuem passaportes de países que fazem parte da UE com certeza tem mais possibilidades na Suíça. Por aui não existem tantos árabes, nem sul americanos, a maioria dos estrangeiros são italianos, alemães e portugueses. É claro que conhecer a língua é fundamental para qualquer estrangeiro que vive na Suíça ou em outro país. Espero ter esclarecido, um abraço.
Obrigado Selma! De fato, ter a cidadania europeia ajuda muito na imigração. Só gostaria de acrescentar no meu comentário que não sou contrário a imigração dos árabes em especial, os citei apenas como exemplo; mas sim de imigrantes que não dão apreço ao país que os acolheram, e isso não tem nacionalidade específica. E aprender a língua local é um dos sinais de apreço, pois os locais vêem o esforço que o estrangeiro está fazendo para se integrar ao país e a comunidade, assim como obedecer as leis locais. Um abraço pra você também!
Obrigada a você. O estrangeiro “sanguessuga” irá sempre existir, quanto a isso infelizmente não podemos fazer nada. Continue seguindo a blog, um abraço.
Achei alguns comentários sobre o islã meio descabidos, demonstraram não ter conhecimento sobre o islã,
demonstraram conhecer os fatos através da imprensa ocidental que nas maioria das vezes falam mau do islã, distorcem e mente. Quando estive na Suíça, em Kandersteg nos alpes hospedei num hotel de uma família portuguesa e havia um andar do hotel ocupado por jovens árabes muçulmanas, quando estive em Vevey havia muitas turistas árabes, de burca passeando na beira do lago, e em Biel/Bienne a convite de uma pessoa que lá conheci um curdo/Sírio visitei uma mesquita muçulmana e fui muito bem recebido, leio muito sobre as três religiões, Cristianismo, Judaísmo e Islamismo então posso dizer que entendo um pouco delas, e não é bem assim como os maus informados de plantão sempre estão prontos a falar mau.
ET; no passado a França, a Inglaterra dominou países árabes portanto eles tem mais facilidades para emigrar, a Suíça recebe muitos refugiados dos países árabes, na Alemanha tem uma colônia turca muçulmana muito grande.
Acredito que as pessoas deveriam se informar melhor, não sair escrevendo o que eles pensão, sem conhecimento.
Oi Persio, obrigada por dividir a sua experiência.
Olá Persio. Eu concordo com você, acho que esse comentário foi referente a um comentário que eu fiz. Admito que me deixei levar por comentários maldosos de outras pessoas e isso ficou martelando minha cabeça. Mas sim, pela sua experiência, também gostaria de ter a oportunidade de conhecer os povos árabes (e outros povos estrangeiros) que moram no exterior, a fim de conhecê-los melhor e trocar experiências. Se meu comentário foi ofensivo para você, peço desculpas.