Em um dia comum de domingo com céu azul e sol radiante, recebemos um aviso das autoridades responsáveis pelo serviço metereológico cubano que, por sinal, é muito assertivo, sobre uma tempestade extratropical que passaria pela ilha à noite.
Meu esposo, jornalista, também foi alertado e com isso resolvi avisar a comunidade de brasileiros que aqui vivem, mas sem muito alarde. Foi algo corriqueiro de quem vive por essa região que é acostumada a receber furacões, ciclones e tempestades fortes. É um tema que já faz parte do cotidiano das pessoas que estão sempre ligadas no serviço metereológico que é reportado nos noticiários.
Existe uma figura muito importante e respeitada em Cuba, por ser de grande confiança de todos os cubanos, Dr José Rubiera. Este senhor quando aparece na televisão prende a atenção de todos na sala. É um metereologista, doutor em Ciências, professor universitário, diretor do Centro de Prognósticos do Instituto de Meteorologia de Cuba, estrela de televisão em que os cubanos esperam ansiosos por suas explicações sobre cada evento metereológico que acontece na ilha.
Hoje em dia, ele aparece mais em ocasiões especiais para explicar a população sobre o que se passou e o que pode se passar e, também, orientando sobre como se preparar, caso haja algo mais grave por vir, como um ciclone, por exemplo. Dr Rubiera é popular e requisitado, porque aqui a demanda por esse serviço é de fundamental importância, para uma região que sempre pode sofrer com desastres dessa natureza.
Então sempre estamos antenados sobre o clima, e também sempre alertas sobre a possibilidade de uma tormenta, ciclone ou furacão. Já é parte da vida em Cuba, sendo um assunto muito relevante para todos nós aqui. E como faz parte do cotidiano e é algo comum, isso gera falta de medo ou apreensão porque é algo que acontece com frequência e não tem o fator “surpresa”.
Passei por isso com os tremores de terra no Peru, que para os peruanos já faz parte da vida deles, o treinamento com simulação de terremoto, sobre como lidar e se proteger. Por isso, já não se sensibilizam tanto pelo medo como nós estrangeiros que temos que aprender a lidar com isso.
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Mas neste domingo 27 de janeiro estava tudo tão calmo e um céu azul com sol tão brilhante que cheguei a pensar em uma caminhada com meu esposo no final do dia, mas desistimos para curtir uma preguicinha de domingo na cama, vendo filmes. Sinceramente, fiquei até um pouco constrangida de ter alertado as pessoas para uma tempestade se o clima estava tão cara de praia e curtição. Eu duvidei de que realmente fosse acontecer algo nesse dia.
De repente tudo mudou, passando das sete da noite sentíamos uma ventania e o clima virando como em um passe de mágica. Muita gente na rua, as pessoas seguiam com a vida normal, saindo para jantar em restaurantes, indo ao teatro… Às oito da noite já era um clima de filme de terror, chovia demais, o vento era algo absurdamente assustador de tão forte e violento, golpeava as árvores e os coqueiros fazendo quase que se dobrassem ao meio, o barulho que ele fazia parecia de um ventilador gigantesco desses toscos que servem para ventilar grandes armazéns.
Eu vivo a uma rua do mar e ele veio com tudo, com ondas altíssimas quebrando e se escutava como se estivesse na minha janela de tanta força. A água do mar chegou na minha rua e em toda orla da cidade, impedindo os carros de passarem.
Parecia o fim dos tempos. Cortaram a energia e fomos ligar o gerador da casa, a cidade toda estava sem luz, não dava pra ver nada, só escutar o barulho do vento, do mar e de alguns objetos batendo, uma noite tão escura como nunca experimentei. Mas o que eu percebi era só a tempestade mesmo. O pior estava acontecendo a poucos quilômetros da minha casa e a gente ainda não sabia.
Essa noite de terror perdurou madrugada adentro. Um pesadelo que não acabava. A adrenalina não permitia o sono chegar. As informações no grupo de mensagens dos jornalistas com quem meu esposo trabalha, não paravam. Mas todos eram comentários do forte que estava a tempestade. E a surpreendente força do vento.
Meu esposo se preparava para escrever sua matéria e um fotógrafo da equipe já tinha saído para as ruas. A cinegrafista também estava pronta. Mas tudo era aínda incerto.
A sensação de medo e de suspense me deu muita ansiedade que gastei batendo papo por mensagens com um grupo de brasileiras que vivem aqui. Ríamos de nervoso. Teve espaço pra todos os assuntos, inclusive pra rir de uma história de um dos colegas que teve o gato levado pelo vento na varanda do quarto andar. Sim, humor negro. Ríamos de nervoso, eu acho. Todas muito tensas com a situação.
Até que outro fotógrafo que trabalha com meu esposo encaminhou uma messagem para eles: Acabou Luyanó! Deixou todo mundo fechado na angústia. Ele estava perto da sua casa, no bairro de Luyanó, dirigindo seu carro, quando viu uma coluna de vento preto vindo pela mesma rua dele. Achou que era a tempestade, até ver chegar em cima do para-brisas um tanque de água de 55 galões. Encostou na cadeira do passageiro e cobriu a cabeça.
Ele teve o carro chicoteado por um monte de entulho, todos os vidros quebrados. Pela janela do lado dele, entrou uma pedra que arranhou suas costas.
Enquanto recobrou o fôlego, encaminhou a messagem para os colegas. Algo grave estava acontecendo e nem todo mundo sabía. É a primeira vez que os cubanos enfrentam um fato desses com internet 3G no celular. Antes de dezembro do ano passado não tinham esse serviço.
Alertados, a equipe deles se mobilizou. Meu esposo escrevendo sua matéria com os primeiros dados e eu colocando gasolina no motor do gerador pra que ele não ficasse sem energia e pudesse enviar a notícia.
Foram quatro os bairros mais afetados. No outro dia de manhã, a ressaca do tornado que apareceu no meio da tormenta extratropical, fez a cidade despertar mais cedo e se dar conta do que passou. Muita gente sem casa, sem teto, árvores no chão, postes no chão, escombros na rua, rastros da passagem das ondas do mar, lugares que foram alagados, destruição.
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O som das sirenes de resgate e o trabalho dos bombeiros foi noite e dia. Aí pude constatar o lado mais forte do povo cubano que é a solidariedade. Aí entendemos como os cubanos passaram pelo período especial -período na história de maior escassez de comida, água, luz, enfim, de tudo. Eles juntos motivados a se reerguer sozinhos e com muita ajuda e solidariedade deles mesmos.
Eu vi vizinhos abrigarem famílias inteiras que perderam tudo na sua própria casa. Não foi em casa de parentes, foi na dos próprios vizinhos que se ajudavam. Ao percorrer a cidade para distribuir alimentos, roupas e artigos de higiene pessoal nas regiões mais afetadas, escutei histórias e vi muita solidariedade de quem tinha muito pouco mas repartia o que possuia.
Escutei a história de uma senhora que estava servindo o jantar na mesa e foi dar uma olhada no portão para checar que barulho forte era aquele. Assim que chegou ao portão, não teve nem tempo de olhar o que estava diante dela e sentiu a casa desabando sobre toda a família. Voaram os dois tetos dos sobrados das casas vizinhas em cima de sua pequena casa térrea, não sobrou nada, só escombros. Uma outra senhora que pela curiosidade saiu na rua, foi lançada contra uma parede que estava do outro lado da rua com a sua filha no colo. Todos que presenciaram esse fenômeno sentiram uma pressão e um barulho como se fosse uma turbina de avião, não havia como se defender.
Dr. Rubiera foi à televisão explicar o que havia se passado em Cuba e as pessoas assistiam e viam imagens raras do tornado, sem conseguir acreditar no que havia sucedido. Segundo Rubiera, foi muito forte, comparável a furacões de categoria 4 ou 5.
E tornados não são comuns em Cuba. O último parecido com esse aconteceu em 1941. Depois de entender o que se passou com o metereologista mais popular da ilha e do susto, Havana recupera seus feridos e chora pelos seis que morreram.
Todos abraçando a causa da união e da solidariedade, artistas, pessoas comuns, vizinhos, todos se ajudando porque é assim em Cuba. Um puxa a mão do outro pra se levantar.
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