Dia 8 de março – Dia Internacional das Mulheres. Na África do Sul o dia delas é 9 de agosto, feriado nacional! Vejo este dia como para lembrarmos que há tempos que o sexo feminino mostra-se cada vez mais forte e guerreiro, muito diferente do passado “sexo frágil”. E, nada melhor para trazer aqui, neste mês, do que o relato sobre o meu trabalho voluntário na África do Sul, este que envolve outras mulheres: delicadas e fortes, carinhosas e persistentes, doces e incansáveis, e que acima de tudo acreditam que o amor pode mudar o mundo.
Boa viagem a um mundo que as revistas de viagem não contam!
Um dos objetivos que eu tinha claro em mente, antes de me mudar do Brasil para a África do Sul, era dedicar parte do meu tempo a algum trabalho voluntário que atingisse diretamente alguém em verdadeira necessidade, onde eu pudesse ser realmente útil. Primeiro porque eu sempre gostei de ajudar as pessoas, independente de quem, e segundo porque eu iria morar em um novo país com um visto que não me permitiria exercer minha profissão de publicitária. Então, resolvi unir o útil ao agradável.
E quando cheguei em Johannesburgo, há 2 anos atrás, comecei a busca por esse local. Cheguei a visitar uma casa de crianças portadoras do vírus HIV, havia espaço para um trabalho porém percebi que ali apesar da dura realidade, eles já tinham ajuda de outras pessoas e também doações de empresas. Não estava sentindo 100% que ali seria “o meu lugar”, foi quando conheci uma pessoa (que se tornou uma grande amiga) que me falou sobre uma ONG Sul-Africana que proporcionava momentos extraordinários na vida de crianças pobres, moradoras das favelas da cidade. Bingo ! Achei o “meu lugar”!
Esta ONG se chama Magical Moments. Ela atende Day Cares (creches) das principais favelas de Johannesburgo, locais onde os pais deixam seus filhos durante todo o dia para poderem trabalhar já que as escolas públicas aceitam crianças apenas acima de 5 anos. E o trabalho dela é ir a até eles, em lugares que mais ninguém chega para ajudar, que não recebem nenhum outro tipo de ajuda e o serviço social praticamente ignora, para justamente dar o que eles mais precisam: amor e atenção. Sempre levávamos uma atividade ‘diferente’ para estimulá-los como pintar, recortar, colar, artesanato com argila, etc e também algo ‘diferente’ para eles comerem como iogurte, suco, cachorro-quente, pão doce, etc. Coisas diferentes só para eles, pois para nós e para as crianças que conhecemos são coisas ‘normais’, parte do cotidiano.
A maioria dos Day Cares são construídos com um material muito semelhante a um container (parede metálica, fina e ondulada), com chão de terra, às vezes cobertos com pedaços de carpetes ou tapetes doados, e são todos pequenos para o número de crianças que atendem. Com essa descrição você pode imaginar que no verão o local é insuportavelmente quente e no inverno, muito frio.
A primeira vez que entrei em um Day Care e vi ali 3 containers, dividindo as crianças por idade, com as crianças dentro (não havia espaço para ficarem fora), sentadas no chão e gritando felizes que o grupo do Magical Moments (autodenominado de “fadas”, com direito a asinhas e pó mágico) havia chegado, fiquei em choque: eu não sabia se ficava feliz também por estar lá com eles ou se eu ficava triste pela duríssima realidade para qual eu estava sendo apresentada.
As crianças menores choravam toda vez que eu tentava me aproximar, isso geralmente acontecia com os bebês – sim! Tinha bebês de 1 mês de idade em diante – e depois fui entender que essa reação era “normal” porque eles nunca tinham visto gente branca!!! 100% da população pobre/miserável da África do Sul é negra, herança do tão ainda presente Apartheid. Acho que nesse dia tive um mix de sentimentos e naquela noite, quando coloquei minha cabeça no travesseiro, demorei para dormir só pensando em como estariam aquelas crianças…
A partir desse dia me tornei “Fada”, Magical Fairy Debbie.
Quando as doações permitem a ONG organiza eventos, fora dos Day Cares, para proporcionar novas experiências para as crianças. O local escolhido, geralmente, um parquinho em um shopping ou ao ar livre (dependendo da condição climática do dia), às vezes tem grama que causava sensações diferentes naqueles pezinhos sofridos, muitas vezes o local é colorido, com música, brinquedos, as “fadas” para dar carinho e atenção, comidas “novas” como sorvete, iogurte ou pipoca arrancam risos, olhos arregalados e muitos “Uaaaus” da maioria dos pequeninos… Indescritível a sensação de presenciar isso! Coisas tão simples para as crianças que conhecemos, mas para eles, algo tão novo, tão surpreendente e tão feliz ! “O sorvete é gelado!” Ouvi isso de um menino, devia ter 3 ou 4 anos, que pela primeira vez na vida estava podendo comer um sorvete… ele ria com uma cara surpresa e voltava a colocar a ponta da língua no sorvete… Fiquei triste porque ele nunca havia experimentado antes ou porque talvez ele demorasse muito tempo para poder tomar sorvete novamente? NÃO!!!, optei por ficar feliz em estar ali ajudando a proporcionar aquela experiência, que certamente ele não esqueceria tão cedo. Nem eu.
Uma curiosidade é que a grande maioria dessas crianças não falam inglês (A África do Sul tem 11 idiomas oficiais, o Inglês é um deles. Todos Sul-Africanos falam pelo menos 2 desses idiomas: o Inglês e mais um), porque este idioma é ensinado apenas quando elas entram na escola, pública, aos 5 anos de idade. Então como fazemos? A Ilana Friedman, “Fairy Godmother” (fada madrinha) e dona do MM, costuma dizer que a língua oficial mundial para este tipo de trabalho é o amor, ouvi isso a primeira vez que minha mãe, que não fala inglês, foi me visitar e pedi permissão à Ilana para levá-la em um dia de trabalho do MM. Lindo, tocante e pra pensar, né?! “Magical Fairy Jane” fez sucesso no trabalho e acabou retornando, ao grupo, todas as vezes que me visitou.
Independentemente do tipo de evento, todos tem um fechamento igual: primeiro agradecimentos, depois uma música de agradecimento : “Thank you, very much, Keep it up and shine like a star like a big big star”. E por fim, ensinamos as crianças a mandarem amor, abraços e beijos (“Love, Hugs and Kisses”) para o Universo, para todos ali presentes e para eles mesmos e, em ocasiões especiais como por exemplo, a morte do Mandela, mandamos Love, Hug and kisses para o Mandela também ou quando alguma fada ficava doente, etc.
O MM tem um calendário super organizado anual para atender a todos os Day Cares que eles têm contato, o que hoje está em torno de 118 lugares, pelo menos uma vez ao ano. E, sempre ao final do ano, o MM organiza um almoço para as “donas” desses Day Cares, pessoas que são responsáveis pelo dia-a-dia das crianças, que trabalham duro com o mínimo de dinheiro possível e também vivem na pobreza.
Tive a oportunidade de participar desse almoço em dezembro de 2014, o local escolhido foi um restaurante no Sandton City (um dos shoppings mais chiques da cidade). Nos encontramos em frente à grande estátua do Nelson Mandela, que fica anexa ao Shopping, todas as mulheres arrumadas, vestindo a sua melhor roupa, e animadas para o que viria pela frente; tiramos fotos ali, a maioria só tinha visto a estátua pela televisão (mesmo tendo sendo inaugurada em 1991!), “Porque vou andar 1 hora de condução para vir a um lugar de rico se não tenho dinheiro para comprar nada?” foi como uma delas me explicou o por quê de nunca ter ido lá antes. A excitação em andar em escadas rolantes e a alegria em passear no shopping “igual gente rica” foi contagiante.
Havia uma mesa reservada e carinhosamente arrumada para o almoço. A entrada do almoço foi sushi de salmão ! UAU ! Pela primeira vez na vida essas mulheres, senhoras na faixa dos 50 anos, provaram um sushi! E “para segurar os palitinhos”? “E o que é esse negócio verde (wasabi)”? E depois, da entrada, puderam escolher qualquer coisa do cardápio como prato principal; umas estavam inseguras em “ter que pedir sua comida para alguém”, outras não conseguiam ler rápido as opções do cardápio porque “era muita coisa boa junta”, umas pediram salada “porque queriam experimentar a comida que gente rica come”, a maioria pediu carneiro “porque eu gosto mas é caro, então não posso comprar”… e no fim muita gratidão por “alguém” ter pensado nelas… Foi outra experiência impagável que completa um ciclo na minha bagagem Sul-Africana que vou levar comigo, dentro do meu coração, pro resto da vida !
Aos poucos fui me comprometendo de uma tal forma que já estava avaliando novos beneficiários com a dona da ONG, ajudando a criar e organizar os eventos como, por exemplo um Carnaval brasileiro e Copa do Mundo, fazendo sacolinhas de natal (como no Brasil) para algumas crianças e para outras, brigadeiros (enrolados e de copinhos) e levando , o nosso, guaraná (amaram!!!); arrecadando doações e dinheiro através da Muvuca Solidária (outro trabalho que criei para arrecadar fundos de amigos que sempre queriam ajudar alguém mas não sabiam como.); cheguei até a levar fitinhas do Bonfim pra lá e algumas camisas do Brasil (eles adoram o Brasil!)… Enfim, mergulhei de corpo e alma.
Lidar tão diretamente com a pobreza num dos níveis mais baixos que se pode imaginar é, sem dúvida, emocionalmente difícil. Dá vontade de levar as crianças para casa. Várias vezes fiz lanches em casa e saía nos faróis para distribuir (sozinha!) porque sempre achava que eu podia fazer mais por aquelas pessoas (e podia e posso mesmo!); muitas vezes me questionei porque eu morava em uma casa grande e confortável, com jardim e piscina enquanto uma família inteira se amontoava em um quartinho. Outras vezes me via rolando no chão (literalmente – risos) com crianças sujas (água para eles é um item de luxo raríssimo e nos barracos não tem nem banheiro), o que talvez podia me contaminar de alguma forma… mas a vontade em querer fazer o bem incondicionalmente, era e é muito maior do que qualquer empecilho. Crianças super educadas, queridas (bem diferente de muitas que vemos por aí, “que têm tudo” na vida) e super gratas por eu simplesmente estar ali. Com o tempo, acho que acostumei com tudo o que me chocava no início e passei a lidar melhor com tamanha diferença de realidades, e posso dizer que aproveitava mais o lado bom de toda essa triste situação.
Eu fui atrás do MM para trabalhar, para ajudar e para me doar e quem acabou ganhando mais nessa história fui eu mesma! Outro dia escutei de um amigo “você teve que abrir mão de muita coisa no Brasil para se mudar para a África do Sul”, e essa frase me surpreendeu e me fez rir… primeiro porque: ter a experiência de morar fora do Brasil já é um ganho imensurável que qualquer pessoa pode ter na vida, e segundo: só quem vive realmente uma experiência tão profunda e transformadora como esta, que eu tive a honra e a sorte de poder viver na África do Sul, é que sabe o quanto ganhou e só ganhou! Todos os dias de trabalho com o MM resultaram em algum aprendizado para mim, e esses aprendizados fizeram de mim uma pessoa bem diferente da que chegou na África do Sul, uma pessoa melhor, pessoa essa que vai carregar a bandeira do Magical Moments onde quer que esteja, para sempre. Uma vez fada, fada para sempre. Sou muito grata a Deus por tudo. Obrigada. Thank you. Siyabonga.
Love, Hugs and Kisses !,
Magical Fairy Debbie.
Para doações ao Magical Moments: http://magicalmoments.co.za/?CategoryID=7
ou, através da Muvuca Solidária: https://www.facebook.com/AMUVUCASOLIDARIA?ref=ts&fref=ts
18 Comments
Debora,
Seu texto me emocionou muito. Gostaria de parabenizá-la por sua opção de vida. Muitas pessoas pensam, mas poucas realmente fazem. Você e seus companheiros da MM são pessoal que realmente fazem diferença no mundo. Um beijo
Obrigada pelo comentário, Maila! Realmente é um trabalho que não é nada fácil, porém a recompensa é imensurável! Love, Hugs and Kisses !
Que texto lindo, Débora! Obrigada por compartilhar essa experiência. Este ano estou repensando várias coisas na minha vida, é uma delas inclui justamente o trabalho voluntário. Seu texto só me inspirou mais ainda! Bj
Obrigada pelo comentário, Monica! Espero que mergulhe fundo na sua inspiração e colha os frutos da sua generosidade. Love, Hugs and Kisses!!!
Inspirador!!! Precisamos de mais “Deboras” na mundo…
Obrigada pelo comentário, Vinicius ! Love, Hugs and Kisses !
Débora, muito bacana seu depoimento e a maneira como você está aproveitando seu tempo na África do Sul. Um cara legal como o Vinicius só podia ter casado com uma mulher inteligente é interessante como você! Achei muito legal essa ONG! Tem no Brasil também? Grande abraço, com Love, Hugs and Kisses para você e Vini!
Oi Jeni, muito obrigada pelo seu comentário. A ONG Magical Moments eh Sul-Africana e infelizmente não sei de nenhuma instituição similar no Brasil. Love, Hugs and Kisses.
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Oii, adorei o seu texto e me inspirou bastante. Meu nome é Taís e tenho 16 anos, ao fazer 18 estou pensando em fazer uma viagem a Africa do Sul em busca de uma experiencia como a sua, mas nao consigo achar uma ONG, gostaria de saber como entrar em contaro com a MM e como foi pra você essa questão de como você se mantinha la etc. Obrigada desde ja.
Oi Tais, tudo bem? Obrigada pelo seu comentário. A ONG para qual trabalhei em Johannesburgo, na Africa do Sul, não faz pacote de intercâmbios para trabalhos voluntários… eu morava lá por outras razões e acabei trabalhando para eles. Uma vez morando lá, certamente você consegue fazer o mesmo tipo de trabalho que eu fiz. Segue email de contato da Ilana, dona da long: dreamtime@mweb.co.za Pode falar que fui eu quem te passei. A melhor forma de morar la eh com visto de estudante ou de trabalho (ser transferida do Brasil para lá). bjs e boa sorte.
Parabéns Debora pelo belíssimo trabalho. Estava justamente pesquisando na internet como trabalhar voluntariamente na África do Sul e achei seu post. Me ajude, como que faço pra ir?
Oi Renata, tudo bem? Obrigada pelo seu comentário. A ONG para qual trabalhei em Johannesburgo, na Africa do Sul, não faz pacote de intercâmbios… eu morava la por outras razoes e acabei trabalhando para eles. Uma vez morando lá, certamente você consegue fazer o mesmo tipo de trabalho que eu fiz. Segue email de contato da Ilana, dona da long: dreamtime@mweb.co.za Pode falar que fui eu quem te passei. bjs e boa sorte.
Olá Debora.
Há um mês fui a África do Sul, passei por Joanesburgo e quero regressar tendo a oportunidade de abrir um centro para crianças orfans ou algo semelhante.
Todos os dias exploro melhor qual a melhor área de intervenção.
Com a sua experiência e conhecimento em campo desta problemática, talvez me possa sugerir um local mais carênciado ou tipo de necessidade onde posso atuar diretamente?
Obrigada
Olá Débora,
o mundo precisa de mais pessoas assim como você, corajosa, amorosa, solidária. Gostei muito do seu texto. Estava pesquisando sobre as crianças da África do Sul, para um trabalho da minha filhote, e me deparei com seu trabalho e gostei de mais.
Boa sorte em sua caminhada.
Oi Débora! Onde vc morou em Johannesburgo?
Estou programando minha ida mas o lugar para ficar por lá está complicado… abraços!
Como eu faco para participar ???? Sou conissaria de voo no Brasil e gostaria de passar duas semanas ajudando essas criancas. Como posso fazer???
eu gostaria muito de fazer parte sei que minha missão e dar amor e carinho a quem precisa meu maior sonho e fazer uma missão na África sei da realidade gostaria de ser uma voluntaria vou me dedica com amor e determinação