Tradição e arte dos ovos de Páscoa na Romênia.
Nem todo mundo sabe, mas a Páscoa das Igrejas Cristãs Ortodoxas é comemorada em dia diferente ao das Igrejas Cristãs Ocidentais. Esse desencontro se dá em razão do calendário observado. Enquanto a Igreja Católica e demais igrejas desse lado do mundo seguem o Gregoriano, os Ortodoxos se guiam pelo Juliano.
Em relação à divergência das datas, explico, com mais detalhes, no texto sobre o Natal na Romênia e também ao contar a respeito da minha primeira Páscoa Ortodoxa.
Feito esse esclarecimento, vamos ao que interessa, no caso, os ovos de Páscoa pintados à mão. Pequenas obras de arte artesanalmente preparadas, os ovos são oferecidos como presentes, carregando o simbolismo Cristão da Ressurreição que tão bem se integra à ideia da renovação de vida trazida pela esperada primavera dos países verdadeiramente frios. E o que melhor do que um ovo para representar essas concepções do renascer?
Nessa época do ano, eles estão por toda a parte e são tão bonitos e delicados que decidi saber como eram feitos. Hoje, conto o que aprendi no “Atelier de confecção de ovos de Páscoa romenos”, oferecido pelo Muzeul Național al Ţăranului Român, o Museu Nacional do Camponês Romeno, sob as ordens da Doamna (senhora) Ileana Hotopilă, uma das artesãs mais versadas em sua arte em todo o país.
Doamna Ileana
A Sr. Ileana tem 56 anos e começou a pintar os ovos aos 10, ensinada por uma tia que, por sua vez, aprendeu com a mãe e assim por diante, numa tradição secular passada de geração em geração e já retransmitida a alguns dos 14 filhos da nossa mestra.
Chegando ao atelier, sentei-me à mesa montada para a oficina, juntamente com as minhas “colegas de classe” e fomos a ela apresentada. Com voz calma e pausada, foi nos explicando como utilizar o material requerido durante a pintura, levando-nos, em seguida, a uma outra mesa, onde estavam expostos vários dos ovos pintados por ela. Lindos! A ideia era pegar um modelo pra usar de inspiração na hora de cada uma criar o seu padrão.
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Sobre os padrões
Antes de começarmos, deu-nos algumas pistas sobre os desenhos. Não, tal como os da blusa romena, eles também não são aleatórios. Os padrões e as tonalidades estão intrinsecamente ligados à região de onde vêm e suas tradições rurais, mas, no geral, as linhas têm significados próprios, por exemplo: as verticais simbolizam vida e as horizontais, morte; linhas em espiral significam eternidade, enquanto as curvas, purificação.
Quanto às cores, geralmente combinadas em grupos de três, podem ser interpretadas dessa forma: o vermelhos traduz a ideia do amor e da luz solar; o preto, da eternidade; o amarelo, da juventude; o verde, da natureza; e o azul, da saúde e do céu.
Para os nossos ovos, usamos vermelho e amarelo. Vamos a eles!
Como se faz
Os ovos brancos ja estavam prontos para uso. Antes, faz-se um pequeno furo em um dos seus vértices permitindo que gema e clara escorram. Depois, lava-se o ovo, deixando-o secar. Terminado o preparo, poderá ser decorado.
Bom, escolhido o ovo “inspiração” (meta impossível para uma iniciante, diga-se de passagem!), e de posse do meu ovo “em branco”, pus-me ao trabalho, delineando, tortamente (não que eu quisesse, mas foi saindo de acordo com a minha – falta de – habilidade), as linhas em preto do padrão. Para tanto, usamos uma espátula de madeira com uma pontinha de metal que funciona como lápis de desenho.
Para criar o desenho, o traço é marcado com cêra preta, diluída em uma latinha de alumínio acomodada sobre uma pequena chama. Você pega a sua espátula, molha a tal pontinha no líquido preto e vai fazendo o contorno, ou o que conseguir dele!
Quer um conselho? Use a sua inventividade e não se decepcione se, no meio do caminho, desistir de copiar o ovo “inspiração” e resolver seguir um estilo mais livre e seu. Não ficará exatamente belo, como os da Doamna Ileana, mas ninguém poderá negar a sua originalidade, se serve de consolo.
Vai borrar? Ah, vai! E, nesse caso, o que faz? O segredo é deixar a cêra preta secar. Uma vez seca, basta raspar com uma espécie de estilete. Mas raspa com cuidado, para não quebrar o ovo, durante o nosso atelier, aconteceram alguns ovos quebrados…
Delineada a sua obra de arte, chega a hora de pintá-la. Você repassa o seu ovo para a professora que vai mergulhá-lo em uma outra latinha com corante vermelho. Findo o processo, o ovo volta para as suas mãos todo vermelhinho. E agora? Agora você cobre de cêra preta as partes do ovo que deseja manter vermelhas e acrescenta novas linhas, se assim desejar. Feito isso, o ovo volta para D. Ileana que vai mergulhá-lo na latinha com corante amarelo. E assim por diante, ate banhá-lo todo em cêra, e limpá-lo com a ajuda de uma pequena flanela auxiliada pelo calor de uma chama: o fogo derrete a cêra e o paninho limpa os resíduos, revelando, ao final, uma estampa bonita! Se for o seu primeiro, sinto lhe informar, mas, muito provavelmente, ela será bonita apenas em intenção!
Resumo da experiência
É um trabalho extremamente delicado que pede precisão no manuseio e muita, mas muita habilidade, na hora de fazer a pintura. Sim, é extremamente difícil e não tenho a menor ideia de como elas conseguem criar padrões minúsculos e detalhados.
Definitivamente, é um dom e, como todos os dons são divinos, vida longa às artesãs para que continuem a produzir essas pequenas belezas!
Para saber mais:
Na Romênia, em Bucovina, existe um museu em homenagem à arte de pintar ovos, o Muzeul International al Oualor “Lucia Condrea”.
E no Brasileiras pelo Mundo, tem o artigo da Bruna Roland contando sobre a Páscoa na Romênia.