Faz um ano que, com dias livres e no último minuto, resolvemos colocar a mochila nas costas e conhecer um pouquinho mais desse país lindo. Aproveitamos todas as oportunidades para isso. Saímos de Lima já à noite, em um ônibus leito (são maravilhosos), e chegamos no dia seguinte, muito cedo, a uma cidade que se chama Huaraz, localizada ao norte do país. Huaraz é uma cidade encravada na Cordilheira andina branca, assim chamada porque lá estão as geleiras. Caminhando por suas ruas, dá para ver o nevado Huascarán (6768 metros).
Existe uma lenda sobre o nevado Huascarán e o nevado Huandoy que estão relativamente perto um do outro e são as mais imponentes geleiras avistadas da cidade. A história conta que dois jovens, um casal, ficaram perdidamente apaixonados, apesar da oposição ao relacionamento pelo pai dela. Ele se chamava Huáscar e ela, Huandi. Huáscar era o melhor guerreiro do império do pai de Huandi.
Sem poder ocultar esse amor, eles decidiram fugir. O pai de Huadi ficou furioso e mandou os servos mais fiéis irem atrás dos dois para resgatá-los. Depois do resgate, amarrou Huáscar no pico mais alto do nevado e ela em outro pico, para que morressem de frio, um olhando o outro, sem poder fazer nada. Com o passar do tempo, eles se tornaram os nevados mais belos do Peru, Huascarán e Huandoy, e as lágrimas de sofrimento desse casal apaixonado se transformaram em uma linda lagoa, a Llanganuco, que fica aos pés do nevado. Esse lugar é assim: pura poesia.
O passeio de barco pela Lagoa Llanganuco, que está a 4000 metros de altitude, em suas águas verde esmeralda, tendo, ao fundo, um nevado, é uma paisagem linda, digna de filmes românticos. Com certeza, seria um lindo filme, me faz lembrar das obras de Jane Austen.
Mas, não pense que é fácil chegar a esse paraíso. É preciso um preparo para não sofrer com o “mal de altura”. O bom é que existem remédios para evitar o “soroche”. Soroche é um modo de se referir ao “mal de altitude”, esse mal-estar que te leva a ter dor de cabeça, náuseas e dificuldade para respirar. Tem que tomar muito chá de coca, mascar a folha ou o chiclete de coca e estar em boas condições físicas.
Quando passamos pelo povoado de Yungay e Carhuaz e vimos os trabalhadores no campo, eu parei para pensar, como é possível uma pessoa fazer tanto esforço físico nessa altitude, porque eu, por muitas vezes caminhando na altitude, me sentia uma velha asmática. É difícil andar e respirar ao mesmo tempo.
A vida nos Andes é muito dura e bucólica. Em alguns passeios te dá uma sensação de que está em um filme antigo, com cenas espetaculares de tão lindas.
O frio e o vento fortíssimo parece que entram nos ossos, ressecam a pele e rasgam os lábios. É preciso usar muito protetor solar, porque o sol não esquenta, mas queima bastante; usar protetor labial e beber muita água, porque dá uma sede como se estivesse no deserto.
Conhecer as lendas do lugar, as pessoas que fazem parte da paisagem, é entrar em um novo mundo, um mundo cheio de histórias.
Por exemplo, Hemer é um rapaz que vive em um povoado que cuida do Pastoruri, um nevado também da região, incrivelmente lindo. Ele vive em condições extremas de temperatura e de esforço físico para cuidar das criações de cavalos, para respirar, enfim, para tudo. Ele fala para caramba, é um rapaz muito feliz. Me explicou que, onde ele vive, a coberta para esquentar as noites geladíssimas (abaixo de zero), são peles de animais, como ovelhas e alpacas, porque são mais eficientes, e segundo ele, também a sua esposa tem um papel essencial nessa tarefa.
Pensei, é difícil caminhar, respirar, conversar, como será então para ter uma relação sexual? Creio que não é um problema para o Hemer, segundo ele faz entender!
E, por falar em atividade física intensa, nos aventuramos em algo que nunca pensei que poderia realizar na minha vida: o “trekking” até a Lagoa 69. Em Ancash, existem centenas de lagoas e algumas delas são registradas somente por números, não tendo um nome específico, como esta.
Escalar durante 4 horas uma montanha em que é preciso subir sem ver o destino de uma altitude de 3600m, para chegar na Lagoa que está em 4650m, é dramático pelo frio, pela falta de oxigênio, pela taquicardia, seu coração bate tanto que se sente na pele do peito como se ele fosse sair. Intenso, desgastante fisicamente e emocionalmente. Nos últimos 100 metros, parece que se está carregando o mundo inteiro em cima das suas costas. Movimentar um braço ou dar um passo era extremadamente difícil. O apoio do meu marido e do grupo que participava dessa aventura foi muito importantes para meu êxito. Chegar à laguna 69 e admirar a paisagem é como ganhar um troféu. Senti como se tivesse ganhado uma competição, com toda a adrenalina da vitória e da superação.
Uma aventura assim, e para um casal, acho que fortalece mais a união, o sentimento de companheirismo e de que juntos podemos tudo nessa vida. Porque, de verdade, vou dizer a vocês, queridos leitores, essa aventura que passamos juntos foi sugerida por mim, sem saber absolutamente nada sobre, só por ver as fotos que o rapaz da agência de viagens mostrou e ficar encantada pela paisagem belíssima. Meu marido queria me matar no meio do caminho pela enrascada que eu havia nos metido. Mas, depois que chegamos, foi mais forte o amor do que a raiva. Mas, de verdade, nao façam isso que, por pouco, nao fiquei sem esposo!
Para a surpresa do guia, que me olhava como se visse um ET, chegamos. Ele ficou tão surpreso que não conseguiu disfarçar e foi logo nos dando chá de coca para beber, dizendo: “Por favor, não se demore aqui em cima, porque ainda temos três horas de descida”. Ele deve ter pensado: “Como vou fazer para tirá-los daqui!?”. A descida foi outro desafio. Via o ônibus tão longe que dava raiva. Eu olhei umas vacas na montanha e perguntei ao meu marido: “Meu Deus, como essas vacas vieram parar aqui?”. E ele desfalecendo só conseguiu responder: “Não quero saber de vaca nenhuma!”. Sério, não dava nem para raciocinar direito, só queríamos chegar ao ônibus. E se eu contar para vocês que cheguei de quatro no ônibus, porque não dava mais para ficar em pé? Paguei muito mico, mas consegui. Vergonha a gente esquece totalmente nessas horas e, sim, segui casada depois disso.
Na volta para cidade, no ônibus, havia muita gente com experiência neste tipo de aventura, que faz esportes radicais. Eu e meu marido ali, mortos, não precisa nem dizer, né? Mas, conto mais, um coreano e uma eslovena, todos esportistas, passaram muito mal no trajeto de volta. O guia dizia que era o “ mal de altitude”. Foi muito preocupante. Tivemos que parar em um posto de saúde no meio do caminho, para prestar socorro aos dois. Eles tremiam tanto que não conseguiam segurar um copo com água. Eu e meu marido estávamos arrasados de cansaço, mas não sentimos isso, graças a Deus.
Foram só três dias, mas foram intensos e com muitas histórias para contar. Minha família toda me escutou contar, chorando de tanto rir de nós, é claro. Voltei a Lima com uma sensação muito boa de gratidão e de amor por tudo que conheci.
O Peru é um país que quanto mais se conhece, mais vontade se tem de conhecer. Como um livro que a leitura está tão fantástica que você não quer perder tempo e quer ler até chegar ao fim.
2 Comments
Oi Viviane, muto bacana o seu texto! Que linda a história dos vulcões Huascarán e Huandoy. Estou morando desde julho aqui no sul do Peru, em Moquegua e estou me apaixonando tb cada dia mais por aqui. Pena que a minha estadia vai ser curta! Recém publiquei um texto sobre Moquegua! Já esteve aqui no sul?
Obrigada Carol!
Infelizmente não conheci Moquega, mas quem sabe dá tempo.
Um grande bj