No mês de comemoração ao Dia Internacional da Mulher, decidi sair da Bélgica e relembrar uma viagem ao Egito e Turquia que fiz há mais de 10 anos, para contar minha experiência de viajar só por países muçulmanos. As complicações e ensinamentos que conheci em países de cultura e religião tão divergente, e às vezes tão incompreendida, pelo povo ocidental.
Quando optei por viajar a Grécia, Egito e Turquia, não considerei em momento algum a religião e cultura muçulmana como impeditivo, mesmo indo só, haja vista não ser a primeira viagem solitária. Como estava indo através de uma agência de viagens, com a maioria dos passeios e traslados pré-estabelecidos, inclusive com a presença de guias, estava super tranquila.
Em 2007 tanto o Egito quanto a Turquia estavam passando por fases relativamente serenas, sem grandes conflitos internos e externos, o que corroborou para a minha passividade. Ademais, uma amiga tinha feito uma visita ao Egito recentemente e super me motivou, pois passou por ela sem nenhum incidente.
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É bastante difundida a subordinação feminina em uma sociedade muçulmana, ao menos aos olhos dos ocidentais. Segundo os preceitos, a mulher tem a obrigação de dar atenção ao seu esposo, cuidar do lar, educar os filhos, aconselhar seu marido, guardar seus segredos e obedecê-lo naquilo que não implique em desobediência a Allah. A mulher é responsável pelo cuidado da família e do lar, assim nenhuma mulher pode trabalhar em tempo integral, pois o Islã considera injusto sobrecarregar a mulher com trabalho fora as suas atribuições naturais.
No Egito, onde a população é predominantemente muçulmana, a religião controla muitos aspectos da vida social e é aprovada por lei. O sistema judicial é secular, mas as leis de família e de casamento são primordialmente baseadas nas leis religiosas islâmicas. Assim, trata-se de um país não muito amigável a receber mulheres sós, fato que apenas me dei conta estando lá.
Antes de desembarcar no Egito, ainda no aeroporto grego, fui abortada por um cidadão com trajes muçulmanos que me perguntou se estava viajando só ao seu país de origem e após um pequeno dialogo, me ofereceu seu cartão de visitas e seus préstimos, pois se tratava de um diplomata egípcio na Grécia. Isto não me causou estranheza e sim alivio, pois caso acontecesse algo, tinha um contato SOS. Só depois percebi que a abordagem masculina a ocidentais, especialmente sós, é uma pratica comum aos muçulmanos.
Ao chegar ao aeroporto do Cairo, fui recepcionada por um senhor já na esteira de malas após ser bastante questionada pelo funcionário da alfândega sobre o meu propósito nos pais. A primeira impressão já confirmou a supremacia, se não absoluta, do homem no campo laboral. Em seguida, conheci o guia turístico que me acompanharia e, para a minha surpresa, não seria um grupo de turistas, mas apenas eu. Foi então que certo receio se estabeleceu. Pensar em percorrer o país sozinha com um homem desconhecido não foi muito cômodo.
Além da falta de segurança no país, onde o trânsito é uma loucura, homens gritando nas ruas, policiais armados em todos os cantos, inclusive na entrada do meu hotel, ser abordada a todo o momento por vendedores que chegavam a intimar-me tamanho a proximidade física e ouvir desaforos por não aceitar a compra dos produtos, o que mais me amedrontou foram os assuntos e perguntas invasivas de meu guia durante os percursos.
Lembro-me de dois momentos complicados. O primeiro foi quando decidi ir até Alexandria, só não contava que mais uma vez iria só com dois homens atravessar o deserto por 4 horas. Decidi fingir que estava dormindo todo o percurso para não ser incomodada, mas na verdade estava rezando para que nada acontecesse, pois do contrário, naquela paisagem, não havia nada a ser feito, nem o tal diplomata que conheci no aeroporto. O segundo momento foi, já em Alexandria, quando sai da Biblioteca Nacional, e o guia não estava lá me esperando, mesmo com o horário marcado. Só sei que passei mais de uma hora caminhando pelos arredores a procura desse guia após tê-lo esperado muito. Nesta hora, quando ele enfim chegou, ignorei totalmente a subordinação feminina e discuti raivosamente com o guia. Imagina o medo da pessoa no percurso de volta.
Enfim, a viagem ao Egito terminou sem nenhuma ocorrência, mas não aconselho a visita de mulheres sós ao país. Ao meu ver, fui uma pessoa de sorte, pois arrisquei muito.
A Turquia também tem como religião predominante o islamismo, porém neste pais o papel da religião tem originado alguma controvérsia ao longo da historia. A Turquia foi fundada sobre uma constituição estritamente secular que proíbe a influência de qualquer religião e, ao contrário do que se passa na generalidade de outros países islâmicos, as forças políticas mais tradicionalistas e conservadoras da Turquia são fortemente laicas, enquanto que os islamistas moderados se encontram entre os adeptos mais convictos de uma aproximação e abertura ainda maior ao Ocidente.
Neste país o que me aconteceu foi o assédio masculino, mas de uma forma mais adornada, e cheia de galanteios. Assim que cheguei a Istambul, deixei minhas malas no hotel e fui dar um passeio. Por ser um país aparentemente mais liberal as tradições, não me senti tão observada ao caminhar só e sem véu. Mal dei meus primeiros passos quando fui abordada por um rapaz que me encheu de elogios, não demorou muito já estava em sua casa, conhecendo sua família e bebendo um chá com eles e, quando consegui sair, recebi alguns convites para sair. Concordo, foi extremamente arriscado o que fiz, por isso recomendo não fazer o mesmo. No meu caso nada se passou, mas o final pode ser diferente.
Não demorou muito, fui novamente abordada na rua por outro homem que até me ofereceu casamento. Na Turquia, país também dominado pelo trabalho masculino, uma mulher ocidental sozinha será sempre abordada por homens que querem, acima de tudo, vender o seu produto, ganhar uma “saidinha” e contar historias. A minha impressão, infelizmente, foi de que nós somos a possibilidade de uma conquista fácil.
O que concluo baseado apenas nas minhas experiências e sem pré-conceitos: países lindos, repletos de tradição e histórias, mas ainda arriscado para as mulheres ousadas, independentes e que desejam viajar só. Não que seja impossível, pois eu o fiz, mas vale o cuidado e a advertência.
Somos fortes, poderosas e destemidas, mas ainda há muito a provar, a lutar e a conquistar.