Se você, assim como eu, nasceu há mais ou menos 30 anos atrás, provavelmente ouviu muito sobre quais costumes e ideais deveria seguir caso desejasse ser uma “boa garota.” Cresci ouvindo que meninas direitas deveriam estudar, trabalhar, arranjar um partidão – de preferência rico, casar, criar filhos e é isso aí! Agradeça caso isso aconteça, porque ouvi dizer que tem gente ficando para titia, e você não quer ficar para titia! Mas o que será que significa exatamente ficar para titia? Crescemos ouvindo essa frase de uma maneira tão negativa, como se fosse um castigo de uma vida mal vivida que nem ponderamos este lado da balança que compreende apenas em mulheres que não casaram ou que não querem casar. Depois de todos esses anos, ainda não entendi qual o tabu contido neste fato.
Desde pequenas somos bombardeadas com a ideia de que sozinhas não seremos inteiras, não estaremos completas, que um dia o cara dos nossos sonhos vai cruzar nosso caminho no supermercado ou na fila do cinema e que aí então nossa vida fará sentido, seremos salvas e viveremos felizes para sempre. Acreditamos tanto nisso que passamos a procurar este amor idealizado criando tantas expectativas ilusórias em cima de simples seres humanos que jamais poderão ser tão perfeitos quanto nossos sonhos. Assim viramos as costas a pessoas especiais por serem diferentes de nós, que acreditam em outro deus, que comem outra comida, que não sonham com as mesmas coisas que a gente e que cometem erros e falhas, assim como nós.
Após um período marcado por perdas significativas e uma imersão profunda e dolorosa em autoconhecimento, muitos ideais e valores se modificaram dentro de mim. Tive a sensação que havia acordado para uma nova vida onde padrões determinados pela sociedade não faziam mais sentido; comecei a pensar e querer coisas diferentes da maioria.
Decidi que estar ou não em um relacionamento não fazia diferença, entendi e aceitei que o sonho de ser mãe não existia em mim, estava bem sozinha e o que realmente queria fazer era desbravar o planeta, sozinha. Decidi largar tudo: faculdade, namorado, emprego, uma vida estável para fazer trabalho voluntário na Índia e mochilar pelo Sudeste Asiático, como já contei aqui e aqui.
No começo, sofri julgamentos e críticas de amigos e parentes que me diziam que aquilo era só uma fase, o instinto materno ia aparecer, eu ia querer casar pois todos precisam de companhia, que estava fugindo da vida real, que tudo o que sentia, pensava e sonhava para mim era fruto de um casamento que acabou e que estava utilizando minhas viagens para fugir do cenário atual.
Senti raiva. Como podiam pessoas tão queridas encararem meus sonhos, ideais e valores como “apenas uma fase”, “apenas fuga”? Depois entendi que todos sempre vão achar que sabem o que é melhor pra gente, só que na maioria das vezes trata-se de preocupação e amor disfarçados de julgamento. A inveja dos demais só irá te atingir se você der abertura; jamais deixe ninguém te convencer que seu caminho não compensa. Nada irrita mais quem não faz nada do que quem tenta fazer alguma coisa, quem batalha pelo que quer. Inspire os demais trilhando o caminho dos seus sonhos. Foi exatamente o que fiz: descobri que a partir do momento que comecei a me aceitar, os outros eram só outros.
A pergunta que mais ouvi antes, durante e depois da minha viagem foi: “Como você pode viajar sozinha?”. E minha resposta sempre foi: “Do mesmo jeito que viajaria acompanhada, só que sozinha!”
É curioso pensar que há 300 anos atrás o Grand Tour era uma das tradições mais conceituadas da Europa. Grand Tour era o nome dado a uma tradicional viagem através do continente europeu, realizada exclusivamente por jovens homens e que servia como rito de passagem, onde o jovem finalmente se tornaria homem através do conhecimento obtido durante o período fora. 300 anos se passaram e a primeira coisa que uma garota ouve enquanto está viajando sozinha é: “onde está seu namorado?” ou “você só pode ser louca!” ou “você não tem medo, não?”. Ou por último e não menos importante, “seu pai deixou você fazer isso?”
Exemplo recente disso seriam as duas argentinas que viajavam pelo Equador quando foram assassinadas, morte esta que gerou críticas e questionamentos a respeito de viajarem “sozinhas”; mas peraí, gente, elas não estavam viajando uma com a outra? Ou por “sozinhas” queriam dizer sem a companhia de um homem? Isso sem falar de outros questionamentos sobre roupas que usavam ou sobre o que fizeram para serem assassinadas!
O que quero dizer com tudo isso é que está tudo bem pensar diferente e querer coisas que a sociedade julga como loucura ou tabu. Se você é mulher e o seu sonho é viajar sozinha, sendo você casada, solteira, lésbica, bi, trans, não importa! Se o obstáculo no seu caminho é o medo por ser mulher e a crítica dos demais e da sociedade julgadora na qual vivemos, aqui vai um conselho: não alimente o medo; pelo contrário, abrace-o como um velho amigo, pois este jamais te deixará. Precisamos aprender a conviver em paz com ele para que se torne apenas um desafio e não mais um obstáculo.
Sonhe, saia, conheça, tire um sonho da gaveta, que futuro está criando para si neste momento? Já deu um passo em direção ao seu sonho hoje?
Sim, você provavelmente vai ouvir que não pode, que não deve, que é perigoso e arriscado e que você provavelmente está louca, traumatizada ou tentando fugir. Mas a sua vida e seus sonhos não dizem respeito a ninguém, mulher! Podem ter limitado nossa voz, nossos direitos, nossa independência e nossa liberdade, mas eu te garanto, ninguém vai limitar os seus sonhos e a sua coragem caso seja isso que você realmente queira, caso seja essa a batalha que você decidir travar daqui para a frente.
Liberte-se e seja feliz!
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Querida Carolina,que texto inspirador. Obrigada por compartilhar sua experiência,você como ninguém deve saber que sem independência não somos donos de nós mesmos. E hoje você realmente pode dizer que é dona de si mesma.