Vou-me embora para Portugal.
Esta frase, que tanto escuto, me lembra o que Manuel Bandeira, em seu poema modernista publicado em 1930, dizia ao vislumbrar um escape para um lugar melhor, fugindo de sua realidade:
“Vou-me embora pra Pasárgada Aqui não sou feliz”
Nos tempos sombrios, no presente em que vivemos, tudo e qualquer lugar é melhor do que aquele onde estamos, principalmente para os que estão no Brasil. Vamos todos pra Pasárgada, lá não existem problemas. As pessoas são bonitas e amáveis. Minha pele será mais saudável e farei exercícios todas as manhãs.
Colocando o nariz nesta poesia, me sinto inspirada para escrever o “Vou-me embora para Portugal”. Pois vejo o quanto os brasileiros olham para Portugal como uma Pasárgada: terra perfeita e sem problemas. Engana-se quem pensa que desconstruirei este idealismo nesse texto, o que convido é à reflexão sobre idealizações de lugares ideais, vidas ideais, pessoas ideais, tudo isso sem considerar o quanto somos reais.
“Em Pasárgada tem tudo É outra civilização Tem um processo seguro De impedir a concepção”
Todos os meses, recebo mensagens de amigos e conhecidos me perguntando sobre a vida em Portugal. Além do atrativo da língua portuguesa, Portugal é também um país muito bonito e com clima ameno em comparação ao restante da Europa. Os portugueses têm recebido os brasileiros de braços abertos, porém o passaporte brasileiro quando se busca um emprego não ajuda muito por aqui.
Aos meus amigos respondo que vale à pena morar aqui, mas dentro de meu coração sinto um bocado de culpa. Pois a realidade e percepção depende de cada um, cada momento de vida, profissional, espiritual, amoroso, familiar… uma lista imensa de fatores que podem fazer Portugal ser o melhor ou o pior lugar do mundo para se viver. Qual é seu momento?
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Aos olhos de quem está no Brasil ou no meio da neve no Canadá, Portugal parece uma Pasárgada: perfeita em todos os aspectos. Um oásis na Europa. Tem, como todo país, seus problemas e seus êxitos. O que é problema para alguns, pode não ser para outros, por isso é muito difícil generalizar o que é bom ou ruim.
Aqui os brasileiros se sentem em casa, somos muitos e ainda seremos mais – enquanto o Brasil vive seu cenário de incerteza e insegurança.
Além de tudo isso, temos o sangue português dos nossos antepassados nas nossas veias, aprendemos desde crianças que corajosos mesmo foram os portugueses que desbravaram os sete mares numa época na qual os outros tinham medo de cair com o barco no precipício sem fim de uma Terra plana. A sensação de que estamos em casa quando chegamos em Portugal é certa.
O que deixo como reflexão, e minha despretensiosa opinião, é que assim como Pasárgada, o Portugal perfeito só existe na idealização de nossos sonhos. Mudar de país não te distancia de seus problemas. Eles mudam de endereço e outros novos se criam. Não existe lugar perfeito, existem apenas lugares reais.
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Para quem busca em Portugal um recomeço eu aconselho que venha. Muito melhor vir, tentar e sair do plano das ideias. Planeje, pergunte, pesquise, visite. Ninguém sabe mais do que você mesmo sobre o melhor momento para ir ou não ir. Para quem busca Portugal como um remédio para seus problemas, não venha. É preciso muita energia vital para mudar de país e recomeçar tudo do zero. Basta querer? Não. Apenas querer não basta. É preciso muito mais. Volto a perguntar: qual é seu momento?
A primeira lição que aprendi na Europa (e alguns brasileiros custam a aprender) é que a vida por aqui é simples. Carrinho de feira na mão, trem lotado, faxina em casa no fim de semana, escola pública, marmita fria. Simples. Isso já desconstrói (sem querer desconstruir) o sonho de muita gente fina, elegante e sincera acostumada a ser servida ao invés de colocar as mãos na massa para as tarefas menos privilegiadas do cotidiano. Fomos criados num país no qual o status é muito importante e “parecer” e “ter” são muito mais valiosos do que o “saber” e “ser”. Aqui não é assim. Vale muito mais seu conteúdo que sua embalagem. Idealismos de uma vida de sonhos não combinam com a realidade do velho continente. A não ser que sua condição financeira mantenha na Europa seus confortos adquiridos no Brasil.
Se ir embora é a única solução e seu momento de vida lhe permitir isso: tente, arrisque! Você só vai saber até tentar. Conviver com um bocado de incerteza faz parte do processo de sair da zona de conforto e precisamos disso para nosso crescimento pessoal. Ou não.
“E quando eu estiver mais triste Mas triste de não ter jeito Quando de noite me der Vontade de me matar — Lá sou amigo do rei — Terei a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada.”
Vou-me embora para Portugal…
…mas sem ter como expectativa as idealizações que o poeta descreve. É importante estar ciente que a vida real tem suas nuances de imperfeição. Abrir a mente para enfrentar e experimentar o que é novo. Aceitar limitações requer maturidade. Seguir sem esperar que o perfeito aconteça, pois esse só existe mesmo lá em Pasárgada, na poesia do Manuel Bandeira.
1 Comment
Oi, tudo bem? Parabens pelo post! Sabe me informar sobre o porta 65 e o auxilio ao aluguel? Estou chegando para morar em setembro com minha namorada, ambos aprovados no mestrado da Universidade do Porto. Vi outro posto aqui no site que explicava, mas minha dúvida é se precisa alguma comprovação de renda, por que estamos indo sem emprego e gostaríamos de nos candidatar já nesse processo que vai acontecer logo em setembro.