Novembro chegou e com ele a tão temida escuridão de inverno. Escuridão essa que nos remete à tristeza, à solidão. No dia 4 de novembro a Suécia celebra o dia de Finados (Allhelgonashelg) que traduzido por português seria “o dia de todos os santos”.
O dia de Finados é um dos dias mais escuros por aqui e o sueco tenta fazer deste dia um dia iluminado. Nesta data, a maioria dos suecos se dirige aos cemitérios carregando consigo muitas velas como uma homenagem a seus entes queridos. As velas também servem para disfarçar a escuridão do inverno, e além disso apagar um pouco a escuridão existencial que a morte nos traz.
A cena, olhando de longe, é muito bonita: velas acessas iluminam os milhares de jazigos por todo os cemitérios da cidade. O ritual das velas também pode ser visto como “uma forma de lembrar que a luz que a vida traz é mais forte que a escuridão da morte”. Esta frase, no geral, é muito citada em enterros suecos e se torna um consolo para quem precisa dizer adeus ou para quem tem medo da morte.
A visita aos cemitérios é, no geral, algo restrito aos parentes mais próximos. Aliás, os suecos lidam com a morte de uma forma muito discreta, tanto no plano existencial quanto no prático. Meu primeiro contato com a morte na Suécia foi na minha época de faculdade. Um dos meus muitos estágios foi participar de um enterro. Estranhei que na cerimônia fúnebre havia cerca de 50 pessoas. Minha primeira reação foi pensar que a pessoa que estava sendo enterrada não era uma pessoa querida, já que os participantes eram muito poucos (ao meu ver, é claro!). Com o tempo fui entendendo que enterros são para os mais próximos, ou seja, parentes e amigos muito chegados. A cerimônia fúnebre é, na maioria das vezes, realizada em uma igreja, como uma missa comum. E mesmo a missa sendo aberta ao público ninguém entra em um enterro por curiosidade.
Outra coisa que aprendi foi que a tristeza com a partida de um ente querido não é algo que se mostra em público. Pouco se vê pessoas chorando em cerimônias fúnebres e se elas assim o fazem é de forma muito discreta. Tão discreta ao ponto de outras pessoas não perceberem. Estranho para nós latinos que vivemos os nossos sentimentos à flor da pele, certo?
Me lembro bem o enterro da minha sogra, uma pessoa muito querida e que foi difícil conter as lágrimas na hora da despedida. Depois do enterro, ouvi alguns participantes questionando quem era a pessoa que chorava alto na igreja? Essa pessoa era eu. O sueco, ao contrário de nós, aprende desde cedo que sentimentos fortes não devem se mostrar. Seja este de alegria ou tristeza.
Depois de todos estes anos aqui, de conversar com muitas pessoas sobre a morte e participar de centenas de enterros através do meu trabalho, entendi que a ausência do choro e do sentimento forte está significativamente relacionado com o medo de enfrentar a morte. De se aproximar dela.
Nós, que viemos de outra cultura, também temos medo da morte, mas lidamos com ela nos afogando em sentimentos fortes. O grito, o choro, o desespero da perda é uma forma de lidar com o nosso medo. Percebi também que mesmo com medo nós encaramos a morte de frente.
Um exemplo é o ritual de velório, onde ficamos cerca de 24 horas perto da pessoa que morreu, em um caixão aberto. O velório é um ritual que não existe entre os suecos. Quando alguém morre o corpo é armazenado no necrotério por um período de 4 semanas, quando o enterro é realizado. Aliás, o sueco espera as 4 semanas para realizar o enterro. Por que? No plano prático é porque tudo aqui deve ser programado com antecedência. No plano existencial é porque eles tentam manter a morte a distância o máximo possível. Para quem deseja é possível ir ao necrotério ver o corpo, mas poucos fazem isto. A grande maioria espera pelo enterro.
E falando em enterros, eles são sempre realizados com caixões lacrados. A ausência do velório e o caixão lacrado nada mais é do que uma forma de se distanciar da morte.
O medo da morte é explicito no dia-a-dia das pessoas. O sueco tem aversão de falar sobre a morte, sobre doenças terminais. Às vezes, tenho a impressão que os suecos se consideram imortais. Eles se programam para viver digamos, no mínimo, até aos 90 anos. É bem comum entre os suecos a preocupação com uma aposentadoria confortável já que para eles ninguém deve morrer antes dos 85. E quando isto acontece eles têm uma dificuldade muito grande de entender e se recuperar do choque.
Mais complexo ainda é se a pessoa que morreu era criança ou relativamente jovem. É muito comum que parentes procurem grupos de apoio psicológico para conseguir se recuperar após a perda de um ente querido. Estes grupos de apoio são, no geral, oferecidos de forma gratuita pela igreja estatal sueca. Eu já liderei vários deles.
85% da população sueca se diz ateísta e isto reflete na relação da mesma com a morte. O que na verdade é bem controverso, já que a grande maioria quer ser enterrada aos moldes cristãos. Muitas vezes já me perguntei se é a posição ateísta que o sueco adota que o faz ter medo de falar e de encarar a morte? Afinal, sem acreditar em uma vida após a morte não é possível saber o que esperar do “outro lado” e nós seres humanos temos uma tendência a ter medo do desconhecido. Mas talvez a resposta não esteja na religiosidade ou na falta dela? Outra explicação plausível é que o sueco nasce em uma cultura onde o trabalho é o centro de tudo e o importante é acumular bens matérias para poder usufrui-los na velhice. E a morte é uma ameaça para este planejamento. Como não sabemos quando vamos morrer então é melhor não falar sobre o assunto para que não seja preciso mudar os planos para a vida.
O que sinto e entendo é que as velas que iluminam os cemitérios no dia de Finados ajudam o sueco a manter a morte um pouco a distância, já que enquanto o pavio da vela esta iluminando os jazigos, as pessoas não precisam se concentrar na morte e no que ela significa. Antes das velas se apagarem as pessoas já deixaram o cemitério e a vida volta ao normal.
O que você precisa saber caso tenha que enterrar um ente querido na Suécia:
1. O primeiro passo é contatar uma empresa funerária para organizar o enterro. O custo com um enterro simples chega a 15 mil reais;
2. Depois você deve entrar em contato com a igreja para marcar a data da cerimônia religiosa. Para se ter direito a um enterro na igreja estatal é necessário pagar uma taxa anual e ser membro da mesma. Para quem não é membro pode optar por uma cerimônia ecumênica em locais reservados para tal, no cemitério.
3. Após a cerimônia fúnebre os presentes se reúnem para um chá ou café e homenagear a pessoa que morreu.
4. A cremação é a opção mais comum aqui na Suécia e também a mais barata.