Enquanto escrevo este texto, venta muito lá fora. Mesmo assim, um solzinho pálido entrando pela janela faz toda a diferença. Pelo menos pra mim.
Sou dessas pessoas muito afetadas pelo clima. Por isso, como se pode imaginar, a vida na Dinamarca tem alguns percalços. É bom esclarecer que não me refiro à temperatura. Antes de me mudar para cá morei em lugares muito mais frios.
No nordeste dos Estados Unidos, chegamos a encarar mais de duas semanas com temperaturas em torno de 15 graus Celsius negativos, em duas cidades diferentes, algo que jamais experimentei por aqui.
Portanto, embora não seja grande apreciadora de longos invernos, não é o frio que me assusta. O que realmente me incomoda é a chuva constante e a ausência de sol. Nas terras invernais onde já morei, mesmo em dias gélidos havia o consolo de um céu muito azul.
Aparentemente, não sou a única a ser afetada pelo céu cinza. O incômodo, porém, é percebido de formas distintas por cada pessoa. Os efeitos são muito pessoais e além disso há diversas variantes, como provam inúmeros estudos sobre o tema.
Feitos em lugares e condições diferentes, esses estudos geralmente têm objetivos também distintos. Em 2013, por exemplo, um psicólogo francês avaliou por meio de um experimento na rua, que mulheres entre 18 e 25 anos estavam mais propensas ao romance em dias de sol do que em dias nublados.
Para os mais pragmáticos, há pesquisas demonstrando que dias ensolarados aumentam a propensão das pessoas a darem melhores gorjetas para as garçonetes de um restaurante e também influenciam os investimentos nas ações da bolsa de valores americana. Acredita que há até mesmo um estudo relacionando o maior número de posts negativos no Facebook a temporadas de chuva prolongadas em alguns lugares?
O que se percebe é que mesmo quem nasceu na parte mais ao norte do planeta pode, ocasionalmente, sentir seu humor afetado pelas variações climáticas. Só que para bichos tropicais como esta que vos escreve, a sensação tende a ser um pouco mais significativa.
Antes que alguém grite daí que é brasileira e nunquinha se sentiu triste com falta de sol, saiba que isso também é normal. Não se discute aqui a adaptabilidade das pessoas, nem o fato de que algumas delas inclusive prefiram dias nublados ou temperaturas frias.
O texto é justamente para quem sente o tal aperto no peito, depois de meses sem ver aquele sol laranjão, sob o qual a gente já se sente quentinha com apenas poucos minutos de exposição.
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Dia feio causa depressão?
A resposta mais direta a essa pergunta é não. Nenhum estudo sério jamais afirmou isso. Mas se há algo em comum entre as pesquisas, mesmo as mais estapafúrdias, é que o mau tempo nos deixa mais suscetíveis à tristeza e ao mau humor.
Uma das causas dessa suscetibilidade está ligada aos hormônios. Sabe-se, por exemplo, que a luz tende a elevar a serotonina, o que melhora nosso humor. Dias escuros, portanto, não ajudam. Mas pior é entrar no clima e se fechar em casa com as luzes apagadas.
Especialistas, aliás, são unânimes em sugerir que a gente se esforce a sair de casa para se exercitar e se expor à luz o mais possível, mesmo nos dias menos convidativos.
Outra informação relevante é que os raios UV ajudam a regular o ritmo circadiano, que é afetado por claro e escuro e interfere nas horas e qualidade de sono. Lembre-se que mesmo que a gente não veja o sol, ele está lá.
Voltando aos hormônios, a atividade física também estimula a produção de endorfina que tem ótimo impacto na autoestima e humor. E isso é sério. Aqui na Dinamarca é comum as pessoas correrem mesmo quando chove canivete. E quando escurece cedo, alguma correm com coletes fosforescentes.
Obviamente nem todo mundo gosta de correr e menos ainda correr na chuva e no escuro (eu incluída). Por isso, as academias de ginástica lotam no inverno.
Uma coisa que descobri, e que totalmente recomendo para quem como eu não é de correr e detesta atmosfera de academia, é dançar em casa. Idealmente é melhor não ter vizinhos no andar de baixo ou tentar coordenar suas sessões disco com a ausência dos vizinhos. O que vale é chacoalhar o esqueleto como se não houvesse amanhã!
Evitar o isolamento é outra receitinha infalível. Adoro ficar em casa, tomando uma bebida quente ou um bom vinho e lendo um livro incrível sob o cobertor. Por outro lado, estar com amigos, conversar e fazer parte de um grupo, ajuda a espantar a tristeza e a encontrar o lado brilhante nas noites longuíssimas do inverno. Namorar também tem ótimos efeitos!
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Esteja alerta!
Tudo o que disse aqui vem de material amplamente publicado e acessível, assim como de experiência própria. Em todo caso, é fundamental não esquecer que depressão é um distúrbio seríssimo e que pode ter várias origens, independente do lugar onde você esteja vivendo.
Segundo lista da bem reputada Mayo Clinic, as causas podem ser biológicas (estudos apontam que algumas pessoas com depressão apresentam estruturas cerebrais modificadas); desequilíbrio hormonal, incluindo gravidez, pós parto e menopausa, mas não só; química cerebral, ou seja, a forma como os neurotransmissores funcionam e como interagem com os neurocircuitos; e até mesmo ter causas genéticas.
Para pessoas que sofrem de depressão, o mau tempo pode funcionar simplesmente como um gatilho para o problema e nesse caso precisa de atenção médica. Trata-se de uma doença, isso quer dizer que pode-se ter depressão mesmo vivendo num paraíso tropical.
Dizem aqui na Dinamarca que não existe mau tempo, o que há é gente que não se veste da forma adequada para encarar esse tempo lá fora. Por isso, faça chuva ou faça sol todo mundo anda de bicicleta, caminha, trabalha, vai a bares e concertos. Em outras palavras, leva uma vida normal. E parece que funciona. Persista!.
Agora, ‘bora’ espantar as tristezas ao som de Marvin Gaye, porque ninguém é de ferro!
Imagem destacada: Mariana Gil