Depressão não é um assunto fácil. Muito achismo, muita opinião e muitas inverdades. Mas, por mais duro que seja, é preciso enfrentá-lo de frente. E assim começa meu texto desse mês, sobre esse fantasma que parece ser uma epidemia global. Vamos falar sobre depressão na vida de um expatriado? Antes deixo claro que meu ponto de vista é o de alguém que passou por isso e não de uma especialista ou profissional da área, OK?
Dizer que a vida não é só feita de momentos felizes é chover no molhado. Todo mundo sabe o que é atravessar águas turbulentas. Normalmente a tristeza começa por uma razão específica: uma perda, um rompimento, finanças, saúde, enfim. Só que o problema acaba se solucionando e a tristeza continua, como um efeito colateral permanente. A partir de então, qualquer coisa pode ser o estopim para a depressão.
Sei que a vida no Brasil não anda fácil! Um governo corrupto, falta de perspectivas, violência galopante, descaso na saúde, etc. Motivos não faltam para o desânimo e a vontade de jogar tudo para o alto grita forte dentro de muita gente. Eu fui uma das que disseram adeus.
Deixei São Paulo por motivos diversos, apesar do caos de 2013 ser menor do que agora. Resolveram-se os meus problemas? Hmm… Difícil, essa resposta. Evidente é que a noção de cidadania aqui nos EUA é incomparável com a brasileira e o meu país vai ficando cada vez mais distante do lugar onde desejo criar minha família.
Então os EUA é maravilhoso e solucionaram-se todos os meus problemas? Definitivamente não! Não existe saída fácil, acredite. A saudade de casa, o frio cortante de um inverno longo, o desconforto de ter que viver em outra língua e costumes, a ausência de cheiros, sons e risadas familiares causam uma tristeza imensa, e pior, fazem emergir o fantasma da depressão.
Sabe aquela dor no peito, vontade de chorar até vendo comercial de carro, desânimo em acordar, dormir, comer? Infelizmente, muita gente vai se identificar… Pois bem, essa dificuldade em encarar problemas continua aqui e continuará aonde quer que eu vá e sabe por quê? Não é o lugar que vivo, não são as pessoas com que me relaciono, não é culpa do Temer ou do Trump: é algo que carrego em meu peito e que ao longo da minha vida aparece de tempos em tempos.
Não adianta fugir, viajar, cortar o cabelo ou trocar de namorado. As coisas que nos atormentam estão dentro de nós e nos acompanham por onde formos. Mudar os outros ou as situações ruins, além de ser quase impossível, é frustrante. Nosso poder de controlar e transformar se limita ao espaço de nós mesmos. Sou mãe, inclusive de uma mulher com 23 anos, já! Isso me permite afirmar com certeza: nem sobre os nossos filhos temos qualquer controle.
Precisamos arregaçar as mangas e colocar o fantasma para correr. Como? Cada um sabe seus métodos.
Muitos conhecidos me criticam, aberta ou veladamente, por compartilhar coisas da minha vida. Não sou hipócrita; claro que alguns nasceram com o DNA do pavão e me incluo, sou um bocado exibida. Mas muito além disso, tudo o que fez de mim quem sou e como sou, construí a partir de observações e convivência com outras pessoas. O ser humano é sempre a melhor escola. Acredito que estamos todos conectados, almejando os mesmos caminhos e ansiando pelas mesmas respostas. Se a luta para vencer a minha dor pode jogar luz na luta do outro, por que não?
Vamos lá: já chorei copiosamente escondida no banheiro, com vergonha de me olhar no espelho e medo de ser vista nesse estado pelas minhas filhas. Já acordei no meio da noite com insônia e dor no peito, a cabeça fervendo por abobrinhas e não me sinto um ET por revelar isso.
Confesso que já acontecia no Brasil, mas brasileiros não sabem muito como lidar com o lado negro da vida. Tristeza não combina e não é aceita! A pessoa está ferrada, amargurada, infeliz, mas toma um copo de cerveja com os amigos na praia e vive como se não houvesse amanhã. Não sei em que medida isso é bom ou não. Hoje, olhando de longe, acho que criamos uma bola de neve que só cresce e vai nos engolir em algum momento.
Aqui o frio do inverno obriga ao recolhimento. É mais difícil mascarar os próprios problemas e as oportunidades de festejar são raras. Mesmo para quem tem uma vida atribulada de trabalho e obrigações, são muitos momentos de solidão e ouvimos os nossos próprios pensamentos. Acho que o clima dos países nórdicos os tornam lugares mais reflexivos, diferente do calor ao sul do Equador, que convida à extroversão. Algum antropologista ou estudioso me corrija se eu estiver equivocada.
Resta então olhar para dentro para encontrar as nossas próprias respostas. Não sou religiosa, mas acredito em coisas além da nossa materialidade. Creio na impermanência das situações: nada dura eternamente e o mundo, assim como nós, está em constante mutação. As alegrias passam e as tristezas também. Não existe estado eterno das coisas e tanto a dor quanto a felicidade são necessárias.
Se sentir triste às vezes é bom. A tristeza faz parte da vida, assim como a noite e o inverno e ambos passam. Lições precisam ser retiradas desses momentos e a forma de aprendizado varia para cada um.
Meu caminho é a arte. Entro em um museu e passo horas olhando quadros, pensando nas narrativas que eles me contam e refletindo sobre as situações. Pinto aquarelas, tiro milhões de fotografias e procuro observar tudo ao meu redor e aprendo lições preciosas.
Como o dia em que estava muito triste e um mendigo me deu a mão para me ajudar a atravessar a montanha de neve imunda na rua. Ou o motorista do Uber que me contou sua vida de refugiado afegão e mesmo não tendo país nenhum para voltar (seus parentes foram todos mortos), consegue ver beleza e alegria no seu emprego de motorista pela cidade.
O mundo é vasto e as lições surgem todo tempo. Se a tristeza vier, não fuja. Encare e veja o que pode te fazer evoluir. Não culpe o vizinho, a política ou os parentes pela sua dor. Ela é só sua e está dentro de você. A melhor forma de cura é olhar para dentro e a partir de então olhar para fora com olhos renovados.
Se o fardo for pesado demais, procure um médico, procure ajuda! Ninguém é obrigado a ser feliz, isso aliás é um peso grande demais que a sociedade contemporânea nos tem imposto. Mas ninguém precisa viver dias eternamente miseráveis, seja na Suíça ou em Carapicuíba. A vida é linda ao redor do mundo, como diz o nome do meu blog pessoal: Life is beautiful around the world (segue lá).
Até a próxima!
7 Comments
Olá Gabriela incrivelmente vc descreveu muito do q passo, passei
e sinto ou senti! Assim como vc, tb nao móro mais no Brasil, só q já estou fóra há quase 30 anos!!!? E mesmo assim a vida no exterior continua sendo complicada, estranha, esquisita…
Tb sou de SP, tb fiz faculdade no Brasil, moro na Alemanha com meu marido alemao e tb tenho 2 filhos em idade adulta…
Descobri ao longo desses anos q a vida é feita de fases, a do deslumbramento no começo, a de mae de 1′ viagem e no exterior, a de aluna de escola pra ajudar os filhos à aluna da vida nova q aprendemos dia após dia, a fase do arrependimento, das dúvidas, frustraçoes, a fase de ter q decidir entre um país e outro e a fase de consolidaçao após tantos anos, onde vc finalmente se sente bem e olha pra tras e para tudo q passou, viveu e aprendeu.
O q mais me motiva até hj apesar de tudo, de todos os altos e baixos é ter certeza q vivi e aprendi muitas coisas estando aqui e ver q alguns amigos ou parentes continuam com a mesma vida ha anos…
Boa sorte pra vc ! Abraços
Que bacana conhecer sua trajetória Sueli. Não existem fórmulas mágicas ou respostas fáceis, é mesmo no dia a dia que a gente vai escolhendo nosso caminho. Por isso gosto tanto de compartilhar e trocar experiências. Um abração! 🙂
Olá Gabriela! Seu texto é ótimo e direto ao ponto.
Sim, já passei por essa depressão que muitas vezes se apresenta de uma maneira mascarada, uma presença velada. Só o tempo me ajudou.
Obrigada por compartilhar.
Ale
Olá Gabriela. Te agradeço muito por compartilhar suas experiências. Estou morando no Kansas a 2 meses e estou passando por um período muito complicado de adaptação. Sinto muito a falta de minha casa no Brasil, meu trabalho, em fim, de minha vida lá. Ficaremos aqui até dia 09/06/2018, então tenho muito tempo aqui ainda. Notei que de uns dias para cá que estou ficando muito deprimida. Não estou mais conseguindo tirar coisas boas do que estou vivendo aqui. No Brasil sou professora, sou mãe, dona de casa, maetorista (eu é que dirigo lá), em fim, meu dia a dia é bem atribulado. Aqui estou tentando aprender a língua (meu inglês sempre foi péssimo) e estou cuidando da casa. Já estou com traços de hipocondria inclusive. É difícil procurar ajuda psicológica aqui porque não tem brasileiros nesta área aqui. Falar sobre o que você está sentindo, sem dominar a língua não vai funcionar. Mas só de saber que não sou a única que passa por isso, já me ajuda. Muito obrigada mesmo.
Sinto muito em saber que vc está passando por isso Rosilda. Mas saiba que você não é a única, muitas de nós que imigramos enfrentamos esse fantasma. Pensando nisso o Brasileiras pelo Mundo criou uma nova categoria com psicólogas online que atendem em português. Acho que vale a pena vc dar uma olhada…. O link é https://brasileiraspelomundo.com/psicologas-pelo-mundo
Um beijo e força porque vai passar.
Gabriela
Olá Gabi. Belo texto. A depressão pode ser motivada por insuficiência hormonal associada a traumas, bloqueios e transtornos emocionais diversos. Ela existe e não importa a intelectualidade., inteligência ou aptidão física. É possível trata-la, mas torna-se fundamental saber que a dor é obrigatória, no entanto o sofrimento sempre será opcional.
Um forte abraço.
Ola Gabriela, compartilhar expor suas intimidades já vc uma pessoa admirável, pois com todos os perrengues todos querem o podium, não sofro desse mal, acredIto ser um problema físico somado
A todas outras dficuldades aí explicitadas, mas qdo divimos nossos sentimentos nos somamos amigos especialmente no seu caso.
Gosto de compartilhar seus textos pois são sempre muito inteligentes.
Parabéns e obrigada por mais este.