”Mês de maio, mês das mães”, costuma se dizer no Brasil. Lá, esta data é comemorada com todas as pompas que a ocasião merece. No último domingo de maio também comemoramos o dia das mães na Suécia. Uma diferença é que na Suécia as comemorações não são tão glamurosas assim – aliás bem típico do jeito ”sueco de ser” – já que a comercialização de datas festivas não é bem vista em terras vikings.
Quando conheci meu marido, conheci também a tia Karin, a única tia que ele tinha por parte de mãe. Tia Karin nunca foi mãe e sempre viveu sozinha. Quando faleceu descobrímos entre os pertences dela um baú antigo onde ela guardava seu enxoval, enxoval esse que incluía muitas coisas de bebê. O tal enxoval fora feito nos anos 40. Naquela época, o principal papel da mulher na sociedade sueca era de mãe e dona de casa.
Suécia, primavera de 2017
A imagen da mulher que nasceu para casar e ter filhos já não é mais uma verdade universal por aqui. A mulher conquistou seu espaço, é independente financeiramente e sabe lutar pelos seus direitos. Entre os líderes políticos suecos, a metade é mulher. Um avanço mais do que merecido.
E como fica o papel mulher x maternidade na atual sociedade sueca? Como a sociedade vê a mulher que não tem filhos? Como as mulheres veem as outras mulheres que optam por não ser mães? Nos meus primeiros anos na Súecia eu imaginava que tal discussão seria quase utópica, afinal acabava de me mudar para um país onde a mulher tem o livre arbítrio de decidir se abraça a maternidade ou não.
Me enganei? Eu acho que sim. É claro que não sou a dona da verdade e que existem várias formas de falar sobre a maternidade sob o ponto de vista sueco, mas hoje quero abordar este assunto como alguém que faz parte desta sociedade e que, no ponto de vista de muitos, demorou para ser mãe, mas também olhando de uma forma profissional, onde a pergunta ”ser ou não ser mãe” é sempre atual entre minhas pacientes.
Eu, particularmente, me tornei mãe aos 40 anos e posso dizer que sentia a pressão por partes de amigas e colegas de trabalho, quase que diariamente: ”…voce não vai ter filhos?Daqui a pouco esta tarde para ser mãe!” ou ”… seu relógio biológico vai gritar daqui a pouco e ai vai ser tarde demais!”. Sentia também a pressão quando era convidada para festas infantis.
O diálogo abaixo quase se tornou uma rotina quando ia a tais festinhas.
(X) -”Quem é seu filho (a) na festinha?”
(Eu) – ”Eu não tenho filhos”
(X) – ”E mesmo assim você foi convidada para a festinha?”
Com o tempo passando já evitava ir a tais festinhas. Também via entre as minhas colegas de trabalho e amigas mais próximas o estresse de ver o tempo passando sem que a maternidade fosse um fato. Comecei a me perguntar o porquê de tanta pressão em ser mãe, já que vivemos em um país onde a liberdade e igualdade da mulher é defendida a ferro e fogo. Sem contar que aqui a mulher tem a opção de se tornar mãe, uma vez que o aborto é legalizado e dá à mulher a oportunidade de dizer não à maternidade caso assim a queira.
Percebi que a sociedade passou a me aceitar mais depois que tive filho, o que me fez refletir ainda mais sobre o papel das mulheres na sociedade sueca como um todo. Muitas mulheres me procuram no consultório e trazem consigo a pergunta: ”Ser ou não ser mãe, eis a questão!”. Muitas não querem ser mães, mas acham difícil assumir para a sociedade, amigos e família. Outras não sabem se querem ser mães e temem descobrir que na verdade não querem ser mães e se afligem com o fato de não saberem se serão aceitas ou não.
Muitas que se tornam mães, se arrependem, mas não conseguem assumir que o papel de mãe na verdade não as pertenciam. Já perguntei a várias mulheres nativas porque elas optaram pela maternidade. Me surpreendi com a resposta: ”porque devemos passar pela experiência de ser mãe”.
Aliás, a maternidade, é no geral, uma condição que ocupa um espaço muito grande na vida das famílias suecas. Caso a maternidade seja algo difícil de se concretizar, dá-se um jeito para que a mesma se torne uma realidade. O governo ajuda de uma forma ativa as famílias que decidem pela adoção de crianças. Para quem opta pela produção independente a Dinamarca ainda é a melhor opção.
Entrevistei algumas mulheres para este artigo e tive autorização para publicar a experiência de Lina (43 anos) e Sara (32 anos), exemplos de mulheres que optaram por não ser mães.
As duas descrevem que as pessoas ao redor, em sua maioria mulheres, questionam os motivos de tal decisão e tentam convencê-las de que esta é a opção errada. No caso da Lina, a pressão não é vista apenas através das perguntas, mas também no contato social. Lina conta que não é raro que suas amigas a deixem fora de festas ou atividades pelo fato de elas terem filhos e Lina, não.
Me pergunto de onde vem este comportamento em relação à maternidade.
Uma teoria plausível seria o fato da sociedade sueca dar todo o suporte que a mulher necessita para optar pela maternidade, ou seja: licença maternidade de no mínimo 1 ano com o pagamento de 80% do salário durante este período, bolsa família para cada criança, creches de qualidade, e por ai vai. Com todo este suporte não deveria existir dúvidas ou desculpas para não ser mãe.
Outra teoria também provável seria o fato de que a maternidade é mais um entre os vários papéis que cabem à mulher moderna e independente assumir, isto porque somos capazes – ou seja, a mulher pode e deve assumir papéis de mãe, chefe, esposa, amiga, filha e muito mais.
Quando me deparo com o conflito interno de muitas mulheres sobre o que fazer com a pergunta ”ser ou não ser mãe”, e quando me deparo com mulheres que se tornaram mães e depois descobriram que este papel não era para elas e mesmo assim não tiveram coragem de assumir esta posição, me pergunto se a sociedade, no geral, contribui para isso.
Ao meu ver, num país onde a mulher pode e deve decidir sobre o seu próprio corpo a pergunta ”ser ou não ser mãe” não deveria trazer constrangimento a tantas mulheres e me faz concluir que a Suécia precisa trabalhar mais ainda pela igualdade das mulheres, neste caso das mulheres que dizem não à maternidade. Estas mulheres não precisam esconder sua visão da maternidade num baú.