Como dizer adeus sem se culpar quando perdemos alguém no Brasil
Tudo na vida tem prós e contras. Viver no exterior também. Acho que a maioria de nós está de acordo que o grande vilão da vida no exterior é a saudade dos nossos entes queridos. Quando moramos fora e não temos a oportunidade de abraçar quem amamos com a mesma frequência se torna ainda mais explícito que somos mortais, que envelhecemos, que o tempo passa, que quem amamos pode não estar nos esperando no aeroporto da próxima vez que desembarcamos em solo brasileiro.
Dezembro de 2015. Fomos aos Brasil passar o Natal com minha família. Minha mãe estava doente e eu sentia que seria a última vez que nos veríamos. Os 20 dias que passamos por lá ficamos muito com ela. Até que as férias acabaram e chegou a hora de dizer “adeus”. Me despedi dela, segurei forte em suas mãos e disse adeus. Ela já debilitada me deu um abraço e me disse “até a próxima”. Em 2016 não pudemos ir ao Brasil. A saúde dela piorou e cada vez mais sentia que a minha mãe estava nos deixando. Sempre pensava nisso e tentava diariamente me preparar para este dia.
No verão de 2017 fui chamada para atender uma pessoa que repentinamente tinha perdido sua mãe. O choque da perda foi grande, já que a morte neste caso não deixou tempo para despedidas ou para palavras afetuosas. Não houve tempo para o último abraço ou o último “eu te amo”. A distância longa entre os países também contribuiu com o choque da perda. Com a dificuldade de conseguir embarcar e chegar a tempo para o último adeus, o sepultamento já havia acontecido quando ele buscou suas malas no aeroporto. O que ficou da situação foi o vazio da perda e com este muitas perguntas: por que comigo? Por que não eu estava junto dela? Por que não cheguei a tempo? Eu fui o único que não pude abraçá-la, beijá-la. O único que não pude ouvir a voz dela pela última vez. Entre as lágrimas havia a sensação do remorso, do tempo perdido, das vezes que ele preferiu outro destino que não era a casa de seus pais. Havia também a sensação do que a mãe perderia daqui para a frente. Ela não o veria construir uma família, não veria os futuros netos. Teria ele feito certo em deixar o Brasil? Teria sido ele um filho mau, que optou pela vida no exterior e com isso perdeu o convívio com sua mãe, agora falecida?
O contato com esta pessoa me fez refletir sobre este medo, o medo da perda do ente querido, que todos nós, que escolhemos uma vida fora do nosso país de origem, podemos passar a qualquer momento. Como administrar esta perda? Como seguir em frente? Como responder as interrogações que ficam conosco.
O outono de 2017 chegou. Era final de setembro. O estado de saúde da minha mãe piorou. Veio a internação, a inquietação da espera. Quando o telefone tocava o coração acelerava. Eu estava longe, mas tentava me fazer presente. Ligava várias vezes ao dia, conversava com ela. Ao mesmo tempo que esperava por um milagre, queria que o sofrimento dela acabasse. Mas não queria dizer adeus. Queria estar lá segurando a mão dela, mas por várias circunstâncias não podia ir. Eu sabia e sentia que eu logo passaria pela mesma situação do meu paciente. Como eu reagiria? Sentiria as mesmas culpas? Me julgaria? Como as pessoas me veriam? Como a ovelha negra que não estava presente quando a minha mãe desse o último suspiro?
Enfim chegou o dia 3 de outubro. O dia que a minha mãe nos deixou. O dia que ela encontrou seu descanso eterno. Me lembrei que estava na mesma situação do paciente que havia atendido no verão. Eu refleti que estava passando pelos mesmos sentimentos que ele questionara há meses atrás. A sensação de tempo perdido (já são 16 anos longe de casa), a sensação de que o tempo não para (não chegaria a tempo para lhe dar o último abraço, não chegaria a tempo de colocar uma flor em seu caixão). A sensação do que a minha filha perdeu sem crescer perto da avó que mesmo de longe lhe amava tanto.
Procurando por psicólogas brasileiras pelo mundo?
Cheguei à conclusão de que o tempo é cruel conosco, nós que escolhemos a vida de expatriado. Sim, escolhemos. Foi uma escolha, com tudo na vida é. E todas as escolhas têm consequências boas e ruins. Cheguei à conclusão de que o tempo é o pior inimigo das despedidas, pois vivemos a ilusão de que talvez tenhamos tempo. Tempo para o último abraço, tempo para o último adeus. Mas também sei que o tempo é o melhor remédio, já dizia a minha mãe. Só o tempo pode nos ajudar a dizer adeus, dizer adeus de coração, sem remorso e sem porquês.
Leia: O desafio do desapego
E como fazer isso? Como dizer adeus sem se culpar, sem se questionar, sem querer voltar o tempo perdido? Isto é possível? Como psicóloga acredito que o questionamento é saudável e a culpa é algo que a maioria de nós carrega consigo independente de onde estivermos. Mas quero deixar aqui algumas dicas de como superar a perda de alguém que você ama na condição de expatriado, que não pode voltar a tempo para se despedir.
– Converse sempre com quem ficou no Brasil sobre a saudade que você sente de quem está lá;
– Procure sempre se lembrar dos motivos que o trouxeram para o exterior;
– Se faça presente (mesmo que seja através das redes sociais) na vida de quem você sente saudades. Eu ligava para a minha mãe todos os dias, mesmo sabendo que ela não podia atender;
– Programe visitas ao Brasil para que você possa passar tempo junto de quem você ama;
– Se você está longe de alguém doente, converse sobre o medo da perda e, se possível, despeça-se a tempo;
– Não assimile todas as críticas que vierem de outras pessoas, caso justo você seja o único que não pode estar presente no momento do adeus;
– E por último, procure ajuda profissional se você sente que não esta conseguindo lidar com a dor da perda. Como escrevi, o tempo é nosso pior inimigo, mas também o nosso melhor amigo. E com ele aprendemos a dizer adeus.
E você já passou por esses momentos difíceis? Deixe seu comentário!
8 Comments
Parabéns pelo texto, Verônica! Me identifiquei demais.
Ainda moro com os meus pais mas em breve pretendo me mudar para a Europa, para continuar meus estudos lá. Já antes de ir, sinto que esse é o meu maior medo, e muitas vezes já estive a ponto de desistir do meu sonho de morar fora para poder ficar mais perto da família. Mas também sinto que se não for, uma parte de mim vai simplesmente se anular. Espero estar fazendo a coisa certa.
Um abraço.
Obrigada, Milena pelo seu comentário. Que bom ler que muitos se identificaram com o meu texto. Siga seu coracao e lembre sempre as pessoas ao seu redor o quanto elas sao importantes na sua vida. o resto costuma se ajeitar. lembre-se sempre que nunca vamos ter controle total sobre a vida. Boa sorte!!!
Me identifiquei e me emocionei muito.
Eu sempre morei com meus avós, minha avó já é falecida e agora só tenho meu avô. Fiz um intercâmbio social no Peru por 45 dias, nunca tinha ficado tanto tempo longe de casa. No começo eu chorava de saudade, mas depois eu fui me acostumando. E sentir a liberdade e viver novas experiências me deixavam feliz da vida.
Voltei. Com a vontade de planejar o próximo intercâmbio, seja de 1 mês ou 1 ano. Querendo loucamente viver essa experiência de novo.
Depois de 14 dias que eu cheguei, meu avô adoeceu, entre idas e vindas de quarto e UTI, meu avô conseguiu vencer essa batalha. Ou melhor, vencemos. Parei com trabalho e faculdade por 10 meses, só estou retomando agora. E “sigo” a vida, pensando em quando eu poderei viver isso de novo. Se deixo meu avô e sigo meus sonhos ou se fico. Ficar está sendo a decisão mais sensata, mas sofro pela minha vida. Meu avô um dia vai partir, os anos vão se passar e eu na mesma. Lendo o seu texto e tentando me colocar no seu lugar.. Eu não saberia dizer o que é pior 🙁
Obrigada pelo seu comentário e relato, Nayara! eu realmente espero que vc consiga Fazer seu intercambio. vou ficar aqui na torcida. Quando chegar hora certa de vc seguir seu sonho o universo vai conspirar a seu favor. A minha mae já estava muito doente entao sabiamos que este dia chegaria.. a morte é a única coisa na vida que nao conseguimos evitar, nao é mesmo.. quando penso na minha mae sempre tento me focar que ela está bem em um lugar maravilhoso. pois ela sempre mereceu o melhor… um abraco pra vc!
Eu sinto essa dor até hoje. Em 2015, então morando em Filipinas, perdi meu pai de repente. Não consegui chegar a tempo para o funeral. Exatamente 1 semana depois, minha mãe nos deixou. Esse sempre foi o meu grande medo e infelizmente tive que vivê-lo em dose dupla.
A saudade é inensurável..
Ana Rita, obrigada por dividir seu relato. A dor deve mesmo ser imensurável. Eu espero que vc consiga aprender a viver com a dor e a saudade.. a dor vai com o tempo diminuindo.. deixe o tempo te ajudar. um forte abraco
Muito bom este texto, cpt!
Obrigada pelo Sue feedback!